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País deve se preparar para novas doenças, dizem cientistas

Brasil está muito mais exposto à chegada de enfermidades do que no passado. Zika é exemplo do aumento na vulnerabilidade brasileira

13 fev 2016 - 09h15
(atualizado às 10h09)
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Órgãos de saúde internacionais vêm emitindo alertas a pessoas viajando para o Brasil por causa da prevalência de doenças como a dengue e, desde o final do ano passado, o vírus zika.

O pernilongo também transmite a febre do Vale de Rift
O pernilongo também transmite a febre do Vale de Rift
Foto: SPL / BBC News Brasil

Mas, na opinião de cientistas ouvidos pela BBC Brasil, o surto dessa nova doença revela uma mudança de realidade sanitária: por uma combinação de fatores que causou sua ascensão no cenário internacional na última década, o País está muito mais exposto à chegada de enfermidades do que no passado.

O argumento é que zika é um perfeito exemplo do aumento na vulnerabilidade brasileira para mazelas "desconhecidas".

Apesar de não ser o único país do mundo atingido pelo vírus que durante anos esteve "dormente" na África, o Brasil apresentou, segundo especialistas, um cenário mais favorável para seu alastramento e que vai além de uma prelavência forte do mosquito Aedes aegypti em território nacional.

Nos últimos anos, o crescimento econômico do Brasil foi acompanhado por um aumento na chegada de turistas e imigrantes. O País ficou bem mais inserido no mundo globalizado, cujo ápice se deu com a realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas. Mas, com isso, também entrou no caminho de mais doenças.

Estudos da ONU mostram, por exemplo, que o número de viajantes internacionais saltou de 227 milhões de pessoas em 1980 para mais de 1 bilhão em 2012.

Neste sábado acontece a segunda etapa do combate ao mosquitoAedes aegypti com o apoio dos militares. Cerca de 220 mil homens e mulheres das Forças Armadas farão uma ação de conscientização para orientar a população no combate ao inseto.

Os militares vão distribuir panfletos com um número de telefone local para receber denúncias de locais onde haja proliferação do mosquito. A ação ocorre em 356 municípios, dos quais 115 concentram grande quantidade de casos de microcefalia. Segundo o comando das Forças Armadas, 3 milhões de imóveis residenciais devem ser visitados.

Aves e rebanhos

Além disso, os vírus também podem ser "importados" por acidente.

O Ministério da Saúde, por exemplo, suspeita que o chikungunya chegou ao País em setembro de 2014, com brasileiros que adquiriram o vírus depois de viajar para áreas endêmicas.

O cenário é mais preocupante no caso de vírus que possam ser transmitidos por mosquitos e que não sejam muito conhecidos por agências sanitárias ou cientistas. Novamente, o zika serve de exemplo: até o ano passado, a possível relação do vírus com a microcefalia sequer tinha sido estudada por pesquisadores de doenças tropicais.

"O Brasil está, sem dúvida, mais vulnerável agora à chegada de doenças por conta de fatores globais e por já enfrentar um problema sério com a população de mosquitos. Um grande problema é a existência do que chamamos de populações inocentes, que não foram expostas ao vírus o suficiente para criar anticorpos, o que ajuda a explicar a velocidade da proliferação do zika", afirma James Logan, entomologista da London School of Hygiene & Tropical Medicine.

"Qualquer doença tem potencial de chegar a qualquer país no mundo em que vivemos hoje. A ciência precisa desenvolver melhores métodos de vigilância, mas isso fica ainda mais complicado diante de um vírus como o zika, que é majoritariamente assintomático", acrescenta o especialista.

Cientistas citam pelo menos três vírus que, em teoria, poderiam chegar ao Brasil, todos eles transmitidos por mosquitos: o O'nyong'nyong, a febre do Nilo Ocidental, e a febre do Vale de Rift (RVF).

Este último, que também tem como vetor mosquitos da famíliaAedes , parece hoje em dia confinado ao continente africano ─ onde, de acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA, o CDC, matou mais de 600 pessoas em um surto no Egito, em 1977.

Porém, em 2000, o vírus se manifestou na Arábia Saudita e o no Iêmen, com mais de 1 mil casos e cerca de 160 mortes, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Também prevalecente em animais de criação, a RVF causou a morte de pelo menos 40 mil ovelhas e cabras.

Seus sintomas são bem parecidos com os de outras doenças transmitidas pelo Aedes: fraqueza, febre, dores e tonturas, que normalmente desaparecem em até uma semana. Mas uma parcela de até 10% dos casos podem desenvolver sintomas mais graves como lesões oculares, encefalite (inflamação no cérebro) e hemorragias.

"O RVF também pode ser transmitido por mosquitos Culex (o popular pernilongo) e, na teoria, pode chegar a qualquer lugar do mundo. Assim como o zika, que já ocorreu fora da África, apesar disso ter acontecido há mais de 10 anos", explica o geneticista David Weet, da Liverpool School of Tropical Medicine.

"Teoricamente, pode voltar a se manifestar. O zika mostra como é importante para as autoridades de saúde investirem em programas de diagnósticos, especialmente porque os sintomais mais moderados do RVF são parecidos com o zika", acrescenta Weet.

A febre do Nilo Ocidental teve seu primeiro surto no Hemisfério Ocidental em 1999, nos EUA, e em 2012 matou quase 300 pessoas no país. Ele também é transmitido pelo pernilongo. Apenas um caso de contaminação em humanos (o vírus também ataca cavalos) foi descoberto no Brasil até hoje ─ em uma área rural do Piauí, em 2014.

Quando houve o surto nos EUA, temeu-se que o vírus pudesse chegar ao Brasil por meio de aves migratórias. A febre também tem sintomas parecidos com o da dengue, o que dificulta o diagnóstico.

E, assim como o zika, os sintomas se manifestam em apenas um quinto dos casos. Sensações de fraqueza e fadiga podem durar meses. Menos de 1% do infectados pode, porém, desenvolver condições neurológicas sérias como encefalite e meningite.

Aumento no número de turistas e imigrantes deixa país mais exposto, dizem especialistas
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Foto: BBC / BBC News Brasil

Sintomas

Entidades de saúde como a Fiocruz não descartam sua chegada a áreas mais populosas do País, mas uma das teorias que explicaria a ausência de casos dessa doença é efeito de uma "proteção cruzada", promovida pela grande circulação de vírus similares ao do Oeste do Nilo no Brasil, como os causadores da dengue e da febre amarela.

"Nos Estados Unidos, a febre do Nilo Ocidental já faz parte das campanhas de saúde pública para os meses de verão, quando aumenta o número de mosquitos, e já houve casos em todo o país. Possibilidades de chegada sempre há, mas a ciência ainda precisa de muito mais pesquisas sobre essas doenças e isso não é uma tarefa fácil, mesmo quando ocorrem mais casos", completa Weet.

Já o'nyong'nyong chamou a atenção no Brasil depois de autoridades de saúde do Mato Grosso terem dito que a chegada deste vírus africano ao Brasil "era apenas uma questão de tempo".

No entanto, ele não faz parte da lista de mazelas que pode ser carregada pelos mosquitos da famíliaAedes . O vetor deste vírus é a família anophelina , o que inclui o Anopheles gambiae, transmissor da malária. Este mosquito tem prevalência em áreas rurais, o que marcou epidemias já ocorridas da doença, sempre na África ─ sem mortes registradas, segundo o CDC.

Os sintomas do o'nyong'nyong combinam irritações na pele, dores pelo corpo, sobretudo nas juntas e febre alto.

Os especialistas alertam ainda para outro fator complicador nos esforços de vigilância: o risco de mutações. O chikungunya novamente é um exemplo ─ em 2006, cientistas detectaram uma mutação que tornou mais fácil a transmissão do vírus pelos mosquitos da famíliaAedes e fez com que ele deixasse de ser restrito a países africanos e do Sudeste Asiático, chegando ao continente americano.

"É extremamente complicado mapear doenças, especialmente as que não oferecem perigo imediato e que ficam por muito tempo confinadas a determinadas regiões. Há um problema extra que é o fato de que doenças assintomáticas tornam bastante complicada, por exemplo, a tarefa de controlar pontos de entradas no País, como aeroportos, por exemplo", explica Logan.

O entomologista, porém, argumenta que novas ameaças teóricas não podem ofuscar as já existentes. Logan diz que mais importante é cuidar da prevenção, sobretudo repensando as políticas atuais de combate a mosquitos.

"Não adianta pensar em outras doenças quando já é preciso lidar,por exemplo, com um problema sério de dengue. Será muito difícil atingir uma erradicação total do mosquito sem esforços coordenados e que vão além do que temos hoje", diz.

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