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Universidade Estadual Paulista – UNESP Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação Departamento de Comunicação Social Os múltiplos formatos narrativos do documentário transmídia para dispositivos convergentes Denis Porto Renó Bauru - SP Maio/2015 Universidade Estadual Paulista – UNESP Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação Departamento de Comunicação Social Os múltiplos formatos narrativos do documentário transmídia para dispositivos convergentes Denis Porto Renó Pesquisa financiada pelo edital Primeiros Projetos, processo 0242/001/2014PROPe, com a participação do bolsista de iniciação científica João Victor Belline Correia. Bauru - SP Maio/2015 “A interface do Renascimento foi o encontro do pluralismo medieval e a homogeneidade e mecanicidade modernas” Marshall McLuhan “New new media give their users the same control over when and where to get text, sound, and audiovisual content as provided by new media”. Paul Levinson Imagens Imagem 1: Capa sobre Lula na Veja ................................................................ 33 Imagem 2: Metáfora da Interface (SCOLARI, 2004, p.74) ............................... 36 Imagem 3: Interface Windows 7N .................................................................... 37 Imagem 4: Interface Mac OS Lion .................................................................... 37 Imagem 5: Canal TELETEXTO - TVE .............................................................. 38 Imagem 6: Interface Facebook ......................................................................... 39 Imagem 7: Interface comunicadora instantânea Skype.................................... 39 Imagem 8: Canal do livro Executive severance no Twitter ............................... 43 Imagem 9: Big-data, formato proposto por Lev Manovich ............................... 44 Imagem 10: Interface produzida pelo aplicativo Thinglink.com ........................ 47 Imagem 11: Experiência sobre cinema interativo (RENÓ, 2011). .................... 49 Imagem 12: A space of time, de Diego Bonilla. ................................................ 50 Imagem 13: Interface tátil de um tablet iPad .................................................... 51 Imagem 14: Interface principal documentário “Calles perdidas”....................... 56 Imagem 15: Problema de ajuste de interface para dispositivos Apple. ............ 57 Imagem 16: Livro documentário transmídia Morreu o Demo, acabouse a peseta. ............................................................................................................. 58 Imagem 17: Pôster sobre personagens do documentário transmídia. ............. 59 Imagem 18: Interface do documentário Galego-português. ............................. 61 Imagem 19: Interface com exposição das fotografias. ..................................... 62 Imagem 20: Comic produzido para o documentário. ........................................ 63 Imagem 21: Cena do documentário Tras los pasos del hombre bestia (2013). 65 Imagem 22: Ações pela cidade para promover o videogame online. ............... 66 Imagem 23: Sequências que representam transições imagéticas por camadas. ......................................................................................................................... 68 Imagem 24: Sequência com intertextualidade em Hollow. ............................... 68 Imagem 25: Nós neurais para conteúdos complementares internos às cenas. 69 Imagem 26: Cena com tabela para participação e retroalimentação em Hollow. ......................................................................................................................... 70 Imagem 27: Intertextualidade e Twitter para narrar a tempestade. .................. 71 Imagem 28: Cena com imagem de autoria da entrevistada. ............................ 72 Imagem 29: Distribuição de conteúdos horizontais por Adobe Muse ............... 78 Imagem 30: Portal de notícias Niiiws. .............................................................. 79 Imagem 31: Reportagem transmídia Radio Semillas – la voz de Iraca. ........... 81 Imagem 32: quadrantes de informação visual .................................................. 82 Imagem 33: Página principal da reportagem .................................................... 83 Imagem 34: Reportagem .................................................................................. 83 Imagem 35: Texto sobre a reportagem ............................................................ 84 Imagem 36: mapa do metrô de Madri. ............................................................. 87 Imagem 37: Produção de documentários a partir de dispositivos móveis. ....... 90 Imagem 38: Modelo de interface com estudo de quadrante. ........................... 92 Imagem 39: Interface documentário Rolling Stones in my life (2015). ............. 96 Imagem 40: Interface responsiva acessada desde um iPhone. ....................... 97 Imagem 41: Interfaces simples do Rolling Stones in my life (2015). ................ 98 Imagem 42: Página do documentário Rolling Stones in my life (2015) no Facebook.......................................................................................................... 99 Imagem 43: Interface do documentário Centrinho – autonomia para a vida 2015). ............................................................................................................. 100 Imagem 44: Página oficial do Centrinho. ........................................................ 101 Imagem 45: Aplicativo Google Maps na página do documentário.................. 101 Imagem 46: Página com informações sobre o projeto. .................................. 102 Figura Figura 01: Roteiro circular rizomático (RENÓ, 2011). ...................................... 13 SUMÁRIO 1. Introdução ...................................................................................................... 9 2. Definições e métodos ................................................................................... 18 2.1. Metodologia ................................................................................. 18 2.2. Parâmetros .................................................................................. 22 2.2.1. Interatividade ........................................................................ 22 2.2.2. Cross-media versus transmídia ............................................ 24 2.2.3. Ambientes Touch .................................................................. 26 2.2.4. Usuários táteis ...................................................................... 27 3. Interface como linguagem ............................................................................ 30 3.1. Filosofia e pragmatismo .............................................................. 30 3.2. O poder do audiovisual ............................................................... 40 3.3. Textos e textos ............................................................................ 41 3.4. Multiplataforma ............................................................................ 45 3.5. A navegação interna ................................................................... 48 4. Documentário transmídia ............................................................................. 52 4.1. Orientações sobre o tema ........................................................... 52 4.2. Multi-hiper-trans .......................................................................... 55 4.3. Transmídia “analógico”................................................................ 57 4.4.Exploratório transmídia ................................................................ 60 4.5. Navegação territorial ................................................................... 64 4.6. Os nós neurais transmidiáticos no documentário Hollow ............ 66 5. Entre a mensagem e o usuário .................................................................... 74 5.1. Formatos de interfaces................................................................ 75 5.2. A mensagem na ponta do dedo .................................................. 77 5.3. Experimento sobre interface ....................................................... 82 5.4. Métodos de produção.................................................................. 89 5.5. Um novo documentário ............................................................... 94 Conclusões..................................................................................................... 103 Referências bibliográficas .............................................................................. 108 1. Introdução O campo da comunicação vive inúmeras alterações desde o surgimento da tecnologia digital e suas consequentes evoluções. A internet, os dispositivos de comunicação móvel e os recursos digitais têm provocado na sociedade e na prática comunicacional distintas singularidades que contemplam uma característica fundamental e pós-moderna, de acordo com os conceitos de Bauman (2001): uma sociedade líquida e individual. Esses novos espaços conformam o que Paul Levinson (2012) denomina de maneira certeira os “novos novos meios”, pois é diferente dos novos meios que conhecíamos. É uma mudança substancial, visto pela última vez com o advento da prensa por Gutenberg, segundo o próprio autor. No campo do documentário, através dos dispositivos móveis, a produção de conteúdos ganha força e se torna mais acessível e próximo do público, especificamente pela capacidade de navegação por diversos espaços virtuais. Pioneiro na história do audiovisual e conhecido como filme de realidade ou imagens do povo, esse formato narrativo tem como capacidade a construção, ou representação, da realidade, levando ao espectador informação e conhecimento, o que pode significar emancipação cultural e social. Porém, o documentário viveu momentos diversos em sua trajetória, acompanhados de formatos narrativos e de técnicas diversas de linguagem, assim como objetivos diferentes que justificavam e/ou provocavam essas formas de fazer. Também foram direcionados por correntes teóricas e artísticas diferentes para esses formatos, inclusive de maneira paralela ao cinema de um modo geral, que foram de certa maneira justificados pelo desenvolvimento tecnológico naquele momento. Os irmãos Lumière apresentaram o documentário ao mundo a partir de uma narrativa pura, inclusive sem definir o próprio gênero, a própria existência, ao registrar na obra “L’Arrivée d’un Train en Gare de la Ciotat” [Chegada do Trem na Estação de la Ciotat] a chegada do trem à estação francesa (RENÓ, 2012). Naquelas sessões, os presentes “interagiram” com o trem de maneira real, provocando pânico nos presentes. Num segundo momento do documentário, e com um olhar tanto tecnológico como de criação de linguagem, o russo Dziga Vertov apresentou “O homem com a câmera” como uma sequencia de imagens construída a partir da montagem, que naquele momento passou a ser uma tendência difundida pela escola russa. Sua proposta foi a reconstrução da realidade (ou da ficção, como ocorre no cinema que conhecemos) a partir da combinação de imagens (RENÓ, CAMPALANS, RENÓ, 2015)), tendo como base conceitual a experiência desenvolvida por outro russo, Lev Kuleshov (RENÓ, 2011), em sua obra “A mulher ideal”, que apresentava uma sequencia de enquadramentos e imagens para demonstrar uma mulher considerada perfeita para o realizador. A mulher de Kuleshov nunca existiu, pois foi construída pela combinação de partes de várias mulheres. Numa mesma evolução tecnológica, Jean Rouch produziu obras como “Le maitre fous”, onde atua com uma câmera de mão e som direto, ou seja, registrou em vídeo de maneira simultânea ao registro do áudio. Na obra, Rouch participa de uma cerimônia espiritual de uma aldeia africana e registra o transe de um dos participantes de tal maneira que parecia estar em transe com ele. Nascia naquele momento uma linguagem estética denominada como câmeraolho, linguagem de produção possibilitada pelo dispositivo “portátil” e pela capacidade de registrar som e imagem ao mesmo tempo, o que era fundamental para transmitir essa sensação de realidade. Com a chegada da tecnologia VHS e em seguida o sistema digital, as mudanças do documentário passaram a representar experiências inovadoras e interessantes. O baixo custo desses dispositivos, em comparação com a película de sal de prata, possibilitou obras como “O prisioneiro da grade de ferro”, de Paulo Sacramento, construída a partir da edição de imagens gravadas por presidiários reclusos na então Penitenciara do Carandiru , em São Paulo. Sacramento reuniu um total de 120 horas de imagens gravadas pelos presos e a partir disso criou um roteiro para a montagem final. Trata-se de uma obra que tem como coautores os presos cinegrafistas. Porém, em nenhum desses momentos a mudança no que diz respeito a linguagem foi tão expressiva como depois da web 2.0, onde os cidadãos passaram não somente a produzir, como também a distribuir os conteúdos produzidos. Uma significativa parcela dessas produções foi realizada a partir de telefones celulares e/ou câmeras fotográficas amadoras. Com essas inovações de tecnologia e linguagem surge uma nova linguagem comunicacional: a narrativa transmídia. A partir dela, tornou-se necessário estudar, experimentar e interpretar os resultados da utilização da narrativa transmídia para a construção de documentários. Outra importante mudança na nova ecologia dos meios (Renó, 2013b) refere-se ao modelo de exibição destes conteúdos a partir de dispositivos móveis, onde o contato táctil com o conteúdo realiza propostas apresentadas inicialmente por Norbert Wiener (1954) e posteriormente por Marshall McLuhan (2005), para quem os meios de tecnologia eram extensão do nosso corpo. Com telas tácteis, não só temos essa extensão como também podemos dispensalas, “colocando as mãos” no conteúdo disponível. Entretanto, o fator singular neste cenário é a mobilidade, discutida por Marc Augé (2007) de maneira antropológica, e por Paul Levinson (2012) por um viés da ecologia dos meios. Na realidade, os processos da comunicação ganharam um novo aporte a partir da web 2.0., especialmente com o surgimento dos blogs e de redes de distribuição audiovisual, como o YouTube. Estes ambientes criaram o hábito no cidadão em se informar a partir da internet, principalmente em ambientes que ofereciam conteúdos multimídia e com estrutura interativa, mas também passaram a ser ativos produtores de conteúdo, no que Levinson (2012) define como comportamentos de cidadãos consumidores de conteúdo midiático que também produzem. Com isso, modificou-se, também, o status do público, inicialmente denominado receptor, agora usuário/participante (RENÓ, 2011), já que os espaços virtuais oferecem a navegabilidade pelo conteúdo oferecido e a alteração do mesmo a partir de comentários e mesmo a reconstrução de conteúdos a partir de espaços colaborativos denominados ambientes Wiki (CUNNINGHAM e LEUF, 2001) ou espaços reais-virtuais (AUGÉ, 2007). Outra possibilidade com estes aportes tecnológicos tem sido a criação ou exibição de conteúdos interativos, com uma reconstrução narrativa pessoal, coautora (RENÓ, 2011) e, em alguns casos, ao simples “toque” no conteúdo através de telas tácteis. Trata-se da materialização do conceito de Marshall McLuhan (LEVINSON, 1999) sobre os meios de comunicação atuar como uma extensão do corpo humano, com a atuação em ambientes touch screen. E essa atuação fortaleceu a utilização de conteúdos audiovisuais para processos comunicacionais, inclusive pelo poder cognitivo que possui a imagem em movimento aliada a aspectos de som, luz e cor (BEDOYA e FRIAS, 2003) e pelo surgimento de um novo hábito televisivo, on demand, em que os usuários assistem o que querem, quando e como querem, cenário esse sinalizado anteriormente por Lorenzo Vilches (2003) como uma tendência midiática. Nestes novos espaços e linguagens se potencializa o conceito de narrativa transmídia, que tem suas origens na mistura de intertextualidade (BAKHTIN, 1997) com hipermídia (LANDOW, 2009), como propõe Marsha Kinder (1991), em um dos primeiros aportes sobre o tema, e divulgado por Henry Jenkins (2001; 2009) com olhares contemporâneos. Este tipo de construção narrativa ganha força a cada dia a partir dos ambientes digitais e começa a ser objeto de estudo no campo jornalístico de maneira sólida, inclusive. Dentre os estudos sobre o tema podemos encontrar investigações específicas sobre o papel da blogosfera na construção da informação (GILLMOR, 2005), de redes sociais e de Twitter na circulação de notícias (ORIHUELA, 2011) e sobre métodos de produção de reportagens a partir de estruturas narrativas transmídia (RENÓ e FLORES, 2012). Entretanto, o campo dos estudos sobre comunicação e narrativa transmídia ainda carece de atenção especial voltada a dispositivos móveis como produtores de conteúdos documentais com linguagens transmidiáticas, especialmente acompanhado de um estudo de interface, inclusive por suas peculiaridades de linguagem e de interface para a distribuição de um conteúdo informativo em telas tácteis de maneira compreensível e navegável. Apresento, com base nestes parâmetros, um estudo sobre a produção de documentários transmídia e interfaces interativas para a oferta destes conteúdos. Esse cenário vem a ser uma forma contemporânea de difusão comunicacional que contempla ao mesmo tempo distintas plataformas, com diversas linguagens e narrativas a partir de uma variedade de meios para usuários diversificados, graças ao processo interativo na recepção e navegação do conteúdo, especificamente a partir de dispositivos móveis e por um conceito de rede social Porém, considero que para esta estrutura de linguagem é necessário pensar, antes da produção em si, no roteiro de conteúdo, que denomino fluxograma algorítmico circular rizomático (RENÓ, 2011), conforme figura 01, onde cada conteúdo pode ter sua combinação, independente da ordem de conexão a partir dos nós neurais. Figura 1: Roteiro circular rizomático (RENÓ, 2011). O desafio deste estudo foi definir uma linguagem de produção de documentários transmídia que contemplasse modelos específicos de interface não somente apoiados no roteiro rizomático, mas que também possibilitasse ao usuário a navegação por entre os nós de forma natural e cognitiva (SCOLARI, 2004), e sem a necessidade de um “geolocalizador de conteúdos” para saber onde, quando e como poderá obter a informação desejada. Esse foi o objetivo secundário deste estudo, ou seja, definir conceitos, a partir de uma investigação de carácter teórico-prática que ofereceu não somente uma proposta narrativa com uma base bibliográfica, mas também um formato a partir de experimentos aplicados sobre a produção de documentários transmídia por dispositivos móveis – o tema principal do mesmo. Para tanto, foram definidos caminhos metodológicos que asseguraram um estudo e seus resultados de forma eficaz e racional. Com esse estudo, ofereço conceitos que possibilitam a produção de um modelo de documentários transmídia produzidos e visualizados com dispositivos móveis. Desta forma, a eficácia comunicacional destes dispositivos será amplificada também no campo do audiovisual, já que tais possibilidades já são encontradas em ambientes onde o entretenimento rege sua existência. Para esta investigação, detectei algumas questões a serem respondidas. Tais questionamentos foram fundamentais na compreensão da arquitetura necessária de interfaces para a produção e distribuição de conteúdos documentais transmidiáticos aplicáveis a dispositivos móveis, especialmente com a tecnologia touch screen. Questionamentos estes que englobaram desde problemáticas relacionadas à linguagem estética até questões que perambulam pelas limitações tecnológicas. Uma das perguntas tratou de saber se é possível e viável produzir conteúdos audiovisuais transmidiáticos para dispositivos móveis com qualidade, e se é necessário adoptar uma linguagem específica. Com relação à produção de conteúdos audiovisuais transmidiáticos para dispositivos móveis e com uma linguagem específica acredito que seja viável, considero que existe um público crescente que se conecta a partir destes equipamentos (superando 50% de todo o tráfego de internet do mundo ao final de 20121) e que faltam estudos e propostas de linguagem sobre o tema. Porém, acredito também que não são todos os dispositivos que possibilitam de forma viável tal utilização. Uma segunda pergunta que direcionou essa pesquisa contemplou os fatores que devem ser considerados na elaboração de uma interface ideal para esse tipo de conteúdo comunicacional e nessas plataformas, tendo em vista o poder do audiovisual na linguagem contemporânea e a capacidade de oferecer tal conteúdo nas telas tácteis atuais. Sobre isso, este estudo tornou-se necessário porque a relação homem-máquina deve receber considerável atenção num processo comunicacional contemporâneo, onde a transparência e 1 Segundo dados apresentados por representantes do Google no Congresso FELAFACS 2012, em Lima – Peru. a interpretação deste tipo de espaço devem estar presentes no momento da planificação do mesmo, assim como o usuário em questão, e não os gostos pessoais de seu elaborador. Uma terceira pergunta que direcionou este estudo refere-se ao real interesse do usuário por esse tipo de possibilidade mediática, onde o documentário passa a ser um hiper-documentário a um simples toque, dadas as possibilidades de navegação a partir da linguagem transmídia. Para tanto, e levando em consideração os dados apresentados por Google, considero que este tipo de produto midiático recebe um crescimento de demanda a cada momento pelos usuários contemporâneos, acostumados a “sentir” as mensagens mediáticas com as pontas dos dedos. Além disso, são poucos os estudos sobre interfaces em ambientes digitais, e menos estudos ainda com a mistura de interface com conteúdos de carácter jornalístico, que por sua vez possuem suas características próprias. Tais hipóteses foram questionadas e validadas a partir da pesquisa bibliográfica e do desenvolvimento do experimento desta investigação. Finalmente, a pesquisa ofereceu resultados que contemplaram as hipóteses apresentadas, oferecendo uma nova informação com respeito aos cidadãos contemporâneos, erroneamente considerados digitais por alguns teóricos. Na realidade, estas gerações que atualmente consomem conteúdos mediáticos são analógicas em adaptação ao digital. Isso ficou visível graças às interfaces propostas por esses cidadãos que se limitavam a fronteiras conservadoras no que tange linguagem, o que demonstra uma forçada participação na sociedade líquida (BAUMAN, 2001). Trata-se de uma tentativa de transformar-se em líquida, ainda que se mantenha uma aparente solidez. Esse texto é dividido em capítulos que constroem a discussão a partir de uma revisão/reflexão teórica até chegar ao ponto do estudo prático, proporcionando ao leitor uma imersão nos conceitos que direcionaram a investigação. O primeiro capítulo após a introdução foi denominado “Definições e métodos” e assume uma fundamental importância por ser o momento onde os processos metodológicos da pesquisa o os parâmetros básicos adoptados para este estudo foram apresentados, não os considerando como verdades absolutas. São apenas as ideias que apresentam, a meu ver, maior solidez e convencimento. Na ciência não existem verdades absolutas. Mesmo nas denominadas ciências duras a verdade é questionada constantemente, e quando se descobrem novas “verdades”, essas passam a substituir de maneira subliminar as anteriores. Por essa razão, ainda que se considerem estes parâmetros na pesquisa, outros olhares acadêmicos que divergem desses são respeitados, ainda que recebam um selo de “insuficientemente convincente”. Ainda com relação ao capítulo definições e métodos, neste são oferecidos parâmetros sobre interatividade, pois se trata de um traço importante para essa pesquisa. Também se discute de maneira crítica as diferenças e semelhanças entre a estratégia cross-media e linguagem transmídia, pois são temas parecidos, mas diferentes, e tais semelhanças provocam diversas confusões teóricas entre as diversas correntes acadêmicas sobre esses temas. Ainda neste momento do texto são oferecidos conceitos sobre ambientes touch, pois são os que interessam à pesquisa em questão, e também uma reflexão sobre os usuários tácteis, onde se constrói uma diferença entre usuários digitais e analógicos em busca de uma digitalização do comportamento. Com os parâmetros e processos definidos, o texto oferece um detalhamento sobre o que vem a ser o documentário transmídia, pois esse é o tipo de conteúdo mediático que interessou à pesquisa em questão. Para tanto, são oferecidos olhares diversos sobre o tema, que apontam a opiniões otimistas, mas também a ideias que contemplam uma crítica sobre sua capacidade para atuar em um todo jornalístico. De qualquer forma, trata-se de um momento importante da informação para que o leitor possa discernir entre o audiovisual convencional e essa nova linguagem imagética, que surge não como um gênero, mas como um local de imigração, como uma nova ecologia pelos considerados “velhos meios” (LEVINSON, 2012). Um novo momento no estudo, mas também de fundamental importância para a compreensão de seus resultados, é a apresentação de definições e reflexões sobre interface como linguagem. Nesse texto, são apresentadas definições e interpretações sobre o tema, especialmente as oferecidas por Rudolf Carnap (2003) e Carlos Scolari (2004), mas também contemplando ideias de Lev Manovich (2005) nessa construção cognitiva. Subdividido em “o que é interface”, “o poder do audiovisual”, “textos e textos”, “multiplataformas” e “a navegação interna”, o capítulo apresenta conteúdo que prepara o leitor para uma compreensão do papel da interface na comunicação. Para tanto, o filósofo Rudolf Carnap colabora com as ideias apresentadas sobre as recordações de semelhança, o que acontece de maneira constante nas interfaces. Já o comunicador Carlos Scolari oferece conceitos mesclados entre a comunicação tradicional e a semiótica, sua linha de teórica, para propor o que ele denomina como “interface semio-cognitiva”, ou seja, uma interface transparente, mas que a detectamos. Por fim, o cientista da informática Lev Manovich oferece olhares voltados também aos processos binários, ainda que com preocupações estéticas e cognitivas. O seguinte momento deste texto, denominado “entre a notícia e o usuário”, oferece os resultados obtidos pela investigação, ou seja, a proposta em si. Para tanto, oferece uma estrutura construída por subcapítulos que contemplam discussões sobre o documentário transmídia, além de oferecer os métodos, formatos e cuidados para a produção de interfaces comunicacionais para conteúdos transmídia e em ambientes tácteis. Dessa maneira, o leitor pode desenvolver seus espaços ou ao menos compreender quais os parâmetros que podem viabilizar tal produção. Por fim, mas seguramente não uma proposta definitiva, são apresentadas as conclusões deste estudo. Mas por que não definitivas? Por uma razão simples e realista. No mundo atual, com a velocidade tecnológica e a liquidez social que presenciamos o novo já nasce obsoleto. Uma proposta de interface interativa para ambientes tácteis não deveria ser diferente. 2. Definições e métodos 2.1. Metodologia Essa pesquisa assumiu um status de investigação exploratória resultante de outras investigações exploratórias, realizadas desde a fase de mestrado até um pós-doutoramento anterior, desenvolvida na Universidade Complutense de Madrid com o tema Jornalismo Transmídia. Por sua complexidade, esta é uma investigação que engloba diversos métodos e procedimentos de trabalho, dentre eles a pesquisa bibliográfica, estudo fundamental neste projeto, pois consiste em compreender os diversos conceitos envolvidos, especialmente de carácter histórico e filosófico no que tange a relação entre conteúdos e usuários – a interface – onde se foi necessário lançar mão a um olhar relacionado indiretamente com o tema a partir de ideias do pensador alemão Rudolf Carnap. A adoção da pesquisa bibliográfica se justifica pelas palavras de Ida Stumpf (2006, p.51), “pesquisa bibliográfica, num sentido amplo, é a planificação global inicial de qualquer trabalho de pesquisa que vai desde a identificação, localização e obtenção da bibliografia pertinente sobre o assunto, até a apresentação de um texto sistematizado (...)”. Com relação à importância e ao momento em que a pesquisa bibliográfica pode ocorrer no desenvolvimento de uma pesquisa, a autora complementa: Num sentido restrito, é um conjunto de procedimentos que visa identificar informações bibliográficas, selecionar os documentos pertinentes ao tema estudado e proceder à respectiva anotação ou fichamento das referencias e dos dados dos documentos para que sejam posteriormente utilizados na redação de um trabalho académico. Por vezes, trata-se da única técnica utilizada na elaboração de um trabalho académico, como na apresentação de um trabalho no final de uma disciplina, mas pode também a etapa fundamental e primeira de uma pesquisa que utiliza dados empíricos, quando seu produto recebe a denominação de Referencial Teórico, Revisão da Literatura ou similar. (STUMPF, 2006, p.51) Esta etapa, realizada logo no início do trabalho, assumiu fundamental importância no estudo para consolidar a conceituação dos termos, assim como para a compreensão de técnicas e teorias e na obtenção dos parâmetros para o desenvolvimento do experimento, pois a investigação foi, de certo modo, uma aplicação real da compreensão e reformulação de conceitos e teorias apresentadas por outros pesquisadores, mas experimentadas graças à metodologia experimental adoptada. A partir destes conceitos, foram desenvolvidas soluções e novos conceitos para a prática proposta. Outro procedimento metodológico que envolveu esta investigação de foi o método quase experimental. Neste modelo metodológico, a pesquisa não pode ser manipulada pelo pesquisador, que apenas a observa. Por essa observação, a lógica proposta pela metodologia deste estudo foi aplicada, graças ao ambiente de pesquisa, desenvolvido especificamente para o estudo, e aos processos de colheita de dados posteriores, totalmente digitalizados e fora do controle e de manipulação. Segundo conceitos de Robert Yin (2002, p. 27-28): Novamente os métodos se sobrepõem. A ampla variedade de ciências experimentais também inclui aquelas situações em que o experimentador não pode manipular o comportamento (…), mas nas quais a lógica da planificação experimental ainda pode ser aplicada. Essas situações foram comumente denominadas situações quase experimentais. A busca por informações relacionadas a conceitos filosóficos, cognitivos e semiológicos relacionados ao processo homem-máquina, além da história das diversas definições de linguagem de comunicação e os conceitos de interfaces digitais e de produção de narrativas transmídia justificam a utilização deste método. interatividade, Simultaneamente, interface, hipertexto, foram discutidos hipermídia, conceitos narrativa sobre transmídia e linguagens contemporâneas de produção/programação, fundamentais para se compreender os parâmetros desta pesquisa. Também foram explorados os conceitos de cross-media, casualmente confundida por alguns pesquisadores como sinônimo de narrativa transmídia. No momento do experimento, foram produzidos dois documentários transmídia para o desenvolvimento do espaço com a interface proposta, assim como a relação entre o usuário e o conteúdo, além de estudos sobre interface em outras obras desenvolvidas por terceiros. Os resultados alcançados foram avaliados qualitativamente. O tipo de amostra proposta foi intencional ou de seleção racional, pois se esperava avaliar a teoria defendida pelo pesquisador, independente de uma representatividade universal. Tal escolha metodológica, adoptada por essa investigação, foi justificada por Robert Richardson (2007, p.161), para quem “os elementos que formam a amostra relacionam-se intencionalmente de acordo com certas características estabelecidas no plano e nas hipóteses formuladas pelo pesquisador. Se o plano possuir características que definam a população, é necessário assegurar a presença do sujeito-tipo”. Como não se sabe a quantidade de participantes, esta amostra também é definida como acidental, que se caracteriza pela “população formada pelos elementos que se pôde obter” (Richardson, 2007: 160). Considero que este instrumento de medição é eficiente para a proposta desta pesquisa, independente do tipo de amostra, pois de acordo com Richardson (2007, p.174) “diz-se que um instrumento é válido quando mede o que se deseja”. Outro instrumento metodológico adoptado na investigação define-se como pesquisa participativa, que ganhou força como método de investigação entre 1980 e 1990 e vive atualmente uma retomada de aceitação na academia. Neste instrumento metodológico, segundo Peruzzo (2006, p.133-134), “o pesquisador se insere no grupo pesquisado, participando de todas as suas atividades, ou seja, ele acompanha e vive (com maior ou menor intensidade) a situação concreta que abriga o objeto de sua investigação”, como ocorre neste estudo, pois foram definidos como integrantes dos grupos de participantes pessoas ligadas direta ou indiretamente à linha de pesquisa. De acordo com as propostas de Cicilia Peruzzo (2006, p.126), os aspectos da pesquisa participante são: A pesquisa participante consiste nos seguintes aspectos: a) Presença constante do observador no ambiente investigado para que ele possa “ver as coisas de dentro”. b) O investigador compartilha de modo consistente e sistematizado das atividades do grupo ou do contexto que está sendo estudado. Ou seja, ele se envolve nas atividades, além de compartilhar “interesses e fatos”. A imersão no ambiente de investigação foi constante, e criado na Internet especialmente para o experimento. A atuação direta na pesquisa ocorreu com os grupos nos experimentos de forma frequente, e sistematizada pelos ambientes virtuais, na obtenção dos resultados qualitativos e quantitativos, de acordo com orientações metodológicas oferecidas por Cicilia Peruzzo (2006, p.130). Estes conceitos fundamentam e justificam a escolha por estas modalidades, pois a relação entre a pesquisa qualitativa e a pesquisa participativa (ainda que o estudo em questão também adopte uma investigação quantitativa) é harmónica. Segundo a autora: Uma luz brota das possibilidades explicitadas pela pesquisa qualitativa, que entre suas metodologias, oferece a pesquisa participante. Nessa perspectiva, vão encontrar respaldo no método dialético (ou do materialismo histórico dialético nas correntes de esquerda), que possibilita a captação do fenómeno em todas suas dimensões constitutivas, desde sua história e dinamicidade até as múltiplas determinações inerentes a qualquer fenómeno. Peruzzo (2006, p.131) define que a pesquisa participante possui em especial três finalidades, todas encontradas nesta investigação. De acordo com a autora, através da pesquisa participante é possível observar fenómenos importantes, mas pouco expressivas no campo da pesquisa. A autora também considera que a pesquisa participante é apropriada para desenvolver estudos de recepção de conteúdo de medias fora do padrão vigente. Porém, ressalta que os resultados devem retornar aos envolvidos no experimento. Foram desenvolvidos, para o experimento, dois espaços virtuais em tecnologia HTML5 para que os mesmos fossem visualizados em equipamentos onde a tecnologia disponível exige tal linguagem de programação, além de possuírem uma tecnologia responsiva para a adaptação em espaços diversos. Porém, como a proposta desta investigação é o estudo de interfaces interativas para ambientes táteis e direcionadas para realizar a relação de usabilidade entre usuários e conteúdos documentais transmídia, adotou-se como possibilidade de construção tecnológica o aplicativo Wix.com2 em sua versão gratuita. O ambiente virtual foi um site que reunia os conteúdos de acordo com a proposta apresentada de tal maneira que sua visualização era total e de igual 2 O aplicativo Wix.com é um espaço onde se torna possível a construção de sites grátis em tecnologia HTML5. Além da construção dos sites, é possível hospedar o mesmo sem custo ou com pacotes que oferecem melhoras nos serviços oferecidos. Disponível em http://www.wix.com. Acesso em 05/10/2014. disposição tanto em telefones celulares com microtelas e em tablets como também em equipamentos convencionais, tais como computadores e netbooks. 2.2. Parâmetros Uma investigação parte de alguns parâmetros que definem significados e entendimentos relacionados ao estudo. Estes significados podem não coincidir com outros referentes ao mesmo termo, pois disso se tratam as definições teóricas relacionadas, inclusive porque uma realidade da ciência, especialmente as ciências humanas, é que não existe verdade absoluta. Por essa razão, apresentamos na sequência do texto as principais definições que regem este estudo para que o leitor possa compreender o posicionamento adotado. 2.2.1. Interatividade Se existe algo com o qual convivemos de maneira intensa nos processos comunicacionais contemporâneos, esse algo é a interatividade, almejada pelos meios de comunicação desde o final do século XX, ainda que pouco obtida na ocasião. Porém, com a chegada da web 2.0, tais possibilidades passaram a ser uma intensa realidade. Espaços virtuais passaram a serem construídos e comandados pelos usuários, acostumados até então com a imposição de sistemas eletrônicos que atendiam perfeitamente aos modelos das primeiras teorias de comunicação onde o receptor ainda existia como um real ator comunicacional. Porém, com o desenvolvimento destes ambientes interativos os receptores foram extintos e substituídos pelos usuários, definidos por alguns teóricos como coautores por Denis Renó (2011), produssumidores, por Decio Pignatari (Renó; Flores, 2012), prosumers, por Alvin Toffler (1980) e consumidores midiáticos que produzem conteúdo, por Paul Levinson (LEVINSON, 2012). Os processos interativos são definidos constantemente por autores como estruturas narrativas lúdicas onde são exercitados e experimentados nossos limites criativos. Para Espen Aarshet (1997), os processos interativos são ferramentas para a mente. Já para Peter Lunenfeld (2005), esses processos são obtidos a partir de novos caminhos que oferecem novas experiências. Por fim, para Lev Manovich (2005), os processos interativos exigem de o elaborador pensar com a cabeça do outro, ou seja, pensar como o usuário normalmente pensaria para tentar adivinhar as possibilidades de reconstrução narrativa existentes. Na sociedade contemporânea a participação é uma realidade constante. Os cidadãos buscam uma coautoria nos processos, sejam comunicacionais ou não. Por essa característica, Zygmunt Bauman (2001) define o mundo em que vivemos como a modernidade liquida, onde amores líquidos e sensações liquidas acompanham os cidadãos. Estas características se resumem de alguma maneira, também pelo autor, em uma sociedade individualizada (BAUMAN, 2008), característica também presente nos processos interativos. Ainda neste cenário, encontramos novos modelos de comunicação resultantes de modelos antigos: os mapas interativos. Nesses ambientes, os usuários encontram uma maneira de receber informação através de processos lúdicos que se assemelham aos videojogos, ou seja, exercícios para a mente, como defende Aarshet. Mas também encontramos linguistas, como Bakhtin (1997), que defende a ideia de que toda leitura é interativa, pois a partir dela temos a oportunidade de participar do processo de recepção pela interpretação do conteúdo e de sua mensagem. Sim, é uma interatividade, mas não a que propomos aqui, onde se torna possível uma alteração do conteúdo ou mesmo de seu processo cognitivo, ou seja, os caminhos da leitura. Dessa maneira, a interatividade simplista proposta por Bakhtin deixa de ser efetivamente uma atividade completa. Porém, encontramos uma discussão sobre o tema que merece atenção. Para o investigador brasileiro Alex Primo (2007), não existe interatividade. Segundo o autor, isso é um equívoco, pois o correto é usar o termo interação, ainda que parecidos. Consideramos que sim, existe interatividade, e também interação. Interatividade é atividade entre, e isso ocorre num processo homemmáquina, enquanto interação é o mesmo que ação entre, ou seja, entre homem-homem. O primeiro processo nos interessa neste estudo: a atividade entre, aqui neste estudo entre o home com seus dedos e a máquina com telas tácteis. 2.2.2. Cross-media versus transmídia Ainda que para alguns teóricos cross-media é o mesmo que transmídia, isso é um equívoco conceitual comum em novos formatos de linguagem ou de estratégia. Na verdade, cross-media é uma estratégia comunicacional, enquanto transmídia é uma linguagem, uma narrativa, como o próprio nome a define. Cross-media é um termo que significa a transmissão de um mesmo conteúdo por plataformas diferentes, como comenta e alerta Henry Jenkins (2001) para evitar as confusões conceituais frequentes. Vicente Gosciola (2012) também atenta a essa diferença conceitual, apontando que tal estratégia comunicacional é comumente adotada em processos de marketing, onde os resultados mercadológicos são a ambição principal. Diferente do cross-media, a narrativa transmídia é uma linguagem contemporânea desenvolvida pela sociedade a partir dos processos e ambientes interativos e que tem como característica a difusão de mensagens distintas, a partir de plataformas diversas, por redes sociais e ambientes facilitadores de retroalimentação e em dispositivos móveis (RENÓ e FLORES, 2012). De maneira mais simples, mas também explicativa, Vicente Gosciola (2012, p.9) define narrativa transmídia como “uma história expandida e dividida em várias partes que são distribuídas entre diversas mídias, exatamente aquelas que melhor possam expressar a sua parte da história”. Enquanto a estratégia crossmedia distribui a mesma mensagem em multiplataforma, a narrativa transmídia oferece mensagens distintas, ainda que relacionadas, em ambiente nessa diferença multiplataforma. Entretanto, alguns teóricos seguem deslizando conceitual, possivelmente por se tratar de facilitar as coisas, ou de não reconhecer as diferenças. Andreas Veglis (2012) considera que cross-media é, de maneira simples, “a produção de qualquer conteúdo (notícias, música, texto e imagens) por mais de uma plataforma de mídia (por exemplo, impressão, web e TV) dentro da organização mesma mídia”, não importando se a transmissão é da mesma mensagem ou se transmitem distintas mensagens. Tal junção de termos também é realizada por Indrek Ibrus e Carlos Scolari (2012), para quem uma estratégia cross-media é também conhecida como narrativa transmídia, ou seja, são sinônimos. E declaram isso de maneira contundente logo na introdução da obra. Na realidade, são termos parecidos, mas diferentes. Isso é o mesmo que considerar hipertexto, uma definição cunhada por Ted Nelson (LANDOW, 2009) o mesmo que hipermídia, definido assim por George Landow (2009). São parecidos e relacionados de alguma maneira, mas diferentes, ainda que confundidos com certa frequência. Tal confusão entre narrativa transmídia e cross-media pode ser explicada por uma falta de conhecimento ou de desenvolvimento do tema, ou de ambas justificativas. Na realidade, tanto cross-media como transmídia são, ainda que o primeiro uma estratégia e o segundo uma linguagem, consideravelmente incipientes no que diz respeito ao estudo e à sua aplicabilidade. A estratégia cross-media é adotada pelo marketing com certa moderação, pois um deslize pode provocar perdas econômicas. A narrativa transmídia é uma linguagem frequentemente aproveitada por conteúdos de entretenimento, mas ainda pouco adotada por jornalistas, talvez por desconhecimento, mas provavelmente por um perfil conservador existente nas redações (como pudemos presenciar com a chegada da internet, por exemplo, quando os jornais eletrônicos limitavam-se a reproduzir suas versões impressas). Porém, na academia, comportamentos conservadores são pouco justificados, pois neste espaço podemos (e devemos) experimentar, além de descobrir o que já foi feito e interpretar suas características e diferenças. O que acontece, especificamente no caso da narrativa transmídia, é que por ser um tema de considerável relevância nos dias atuais, pois se trata de uma linguagem, e não uma técnica, todos querem entrar nesse tema. Elizabeth Gonçalves (2012), destacada estudiosa brasileira no campo de comunicação e linguagem, apresenta uma definição simples, mas esclarecedora, sobre o transmídia capaz de pôr fim às confusões com a estratégia comunicacional cross-media e sua estrutura multiplataforma. Para ela, “esse conceito ‘multi’ vem sendo substituído, na atualidade, pelo conceito ‘trans’, que implica na contaminação, na transferência, na influência e na participação direta no conteúdo”. (GONÇALVES, 2012, p.20) Para este estudo a compreensão das diferenças é fundamental, pois a proposta não foi construir narrativas com estratégias cross-media, até porque tais narrativas já existem no audiovisual há tempos. A narrativa transmídia é algo que chega e começa a ocupar um espaço nos meios, não porque os jornalistas assim decidem, mas porque a sociedade impõe a cada momento uma nova mudança de comportamento e linguagem para que as notícias cheguem e circulem entre os usuários, antes receptores. 2.2.3. Ambientes Touch O teórico Marshall McLuhan (2005), em uma de suas “premonições3”, dizia que os meios tecnológicos eram a extensão do nosso corpo. Se considerarmos os velhos meios (SCOLARI, 2008), podemos pensar que Marshall McLuhan tinha toda a razão ao considerar que um controle remoto (naquele momento funcionando através de um cabo) ou um simples seletor de canal eram realmente extensões do nosso corpo. Os resultados da ação desses dispositivos eram realmente extensões do nosso corpo, pois era como se enfiássemos as mãos dentro de um televisor e mudássemos de canal, por exemplo. Entretanto, McLuhan não imaginava que as extensões do corpo chegariam tão longe a ponto de colocarmos as mãos, efetivamente, nos conteúdos com os quais nos relacionamos. Os ambientes touch, ou tácteis, oferecem ao usuário a possibilidade de “sentir” o conteúdo em suas mãos. Manuseamos o conteúdo em ambientes tácteis de maneira intuitiva e muito próxima do real. Temos, a partir dessa tecnologia, a sensação que remete a algo que conhecemos, remete a algo real. Tal definição justifica a utilização de Rudolf Carnap neste estudo (ver 4.1), pois o mesmo propõe que nossos processos cognitivos são constituídos por “recordações de semelhança”, como ocorre ao manusearmos um teclado digital de um tablete, por exemplo. A ação de teclar é como se existissem as teclas de maneira física, ainda que sejam apenas ícones oferecidos de maneira digital e sensitiva. Entretanto, para o usuário, a relação do físico com o real não é evitado pela temperatura e pela textura da tela de vidro do dispositivo. O mesmo ocorre com o movimento de mudar as páginas de um livro em equipamento Kindle ou seu aplicativo para tablets de outras marcas, com uma 3 A palavra premonições é apresentada entre aspas porque, apesar de Marshall McLuhan ser conhecido como o profeta da comunicação, o que ele realmente fez foi observar de maneira atenta e eficiente ao comportamento social daquela época. imagem que “dobra” como se fosse realmente uma folha de papel física. Na verdade, sentimos isso, ainda que seja uma imagem animada formada por pixels. Porém, pela sensação do touch, “sentimos” não somente a textura do papel como também o vento que o virar de páginas proporciona. A tecnologia touch surge em 1971 a partir de uma ideia tecnológica e empresarial de Jason Ford (RENÓ e FLORES, 2012, p.86) com a criação da empresa Elo TouchSystems, que tinha como objetivo produzir dispositivos com telas sensíveis ao toque. Porém, essa tecnologia transformou-se em realidade no início do século XXI, com a chegada do iPhone e sua tela táctil. A partir desse dispositivo, outros ambientes passaram a experimentar a tela sensível, como o MacBook, da própria Apple, em 2009, telefones celulares, tablets (todos os disponíveis) e atualmente algumas linhas de computadores. Com o desenvolvimento do projeto de Jason Ford, quase quarenta anos depois, o mouse e o teclado passaram a ser obsoletos, desnecessários, supérfluos na relação comunicacional homem-máquina. Com isso, diversas mudanças ocorreram, desde o design de conteúdo até a estrutura física do equipamento. 2.2.4. Usuários táteis Ainda que normalmente se refira à sociedade contemporânea como a Geração Y, os cidadãos que consomem conteúdos por redes sociais e a partir de dispositivos móveis não são digitais, mas analógicos em processo de adaptação aos novos meios e às linguagens atuais, que modificaram a maneira de se comunicar por ambientes mediados. Essas mudanças também alteraram dicionários e idiomas, introduzindo palavras e termos que antes não eram adoptados por esses grupos. Por fim, modificou-se a forma de construir processos de relação interpessoal, com o advento de ambientes virtuais, de caráter real, e que oferecem uma comodidade a esse cidadão, promovendo uma maior rede social. Segundo Paul Levinson (2012), o cidadão agora se comunica naturalmente por seus dispositivos móveis, como se estivessem em qualquer outro ambiente. Para o autor, o iPhone passou a ser o parceiro mediático favorito, e a partir dele tudo se produz. Além disso, Levinson (2012, p.125) declara que “a essência dos novos novos meios é a escolha”, que pode ser potencializada em ambientes tácteis com interfaces eficientes. Ambientes móveis que oferecem uma mobilidade de acordo com as expectativas “new new media” que Levinson propõe. De acordo à produção midiática, Denis Renó e Jesús Flores (2012) oferecem resultados de pesquisas e experimentos que contemplaram produções de conteúdos audiovisuais a partir de telefones celulares de tal maneira que podemos considerar uma mudança em processos coerente com uma nova sociedade. Entretanto, os autores apostam em uma necessidade real de adaptação por parte dos cidadãos que aí estão a essas possibilidades, pois para eles não é natural. O que podemos considerar natural é o manuseio de um tablet por uma criança de dois anos de idade, que o faz de maneira tão natural como se fosse um conteúdo efetivamente de fácil compreensão e navegação. O “contato” com o conteúdo a partir de telas tácteis é comum e natural nos ambientes comunicacionais de hoje. Ainda que a frequência seja maior em telefones celulares e tablets, essa tecnologia passa a migrar para computadores de mesa e portáteis, com o lançamento de produtos com essa tecnologia. Entretanto, essa febre se consolidou na atualidade, pois em 2009 a Apple lançou equipamentos portáteis (da linha MacBook) com telas tácteis como temos atualmente em diversos produtos, inclusive da Apple. Mas esse produto recuou após lançado pela pouca aceitação por parte dos usuários, o que deve ser vivido de maneira distinta nos dias atuais. Marshall McLuhan (2005), ao apresentar a ideia de que os meios de eletrônicos eram extensão do nosso corpo (parafraseando seu professor, Norbert Wiener, para quem os dispositivos elétricos eram fundamentais para trabalhar como extensão dos nossos braços) não imaginava que as extensões do corpo chegassem tão longe, a ponto de oferecer o toque ao conteúdo digital e de possibilitar procedimentos muito próximos de uma situação real de manuseio de algo existente no mundo físico. Atualmente, é impossível pensar em uma estrutura comunicacional que não seja construída sobre os conceitos de contato táctil, especialmente se os dispositivos devem oferecer mobilidade. A sociedade está habituada a “sentir” o conteúdo em seus dedos, e a tecnologia criada por Jason Ford atende perfeitamente a essa expectativa. Porém, há um desafio considerável a enfrentar, que é a criação de um modelo de interface dentro dessas necessidades. 3. Interface como linguagem 3.1. Filosofia e pragmatismo Nossa vida é construída através de interfaces entre nós e os objetos que nos rodeiam. Nossas relações interpessoais são mediadas por interfaces humanas. O conhecimento é transmitido a partir de interfaces. Apesar dessa nossa relação cotidiana com a interface, tal linguagem comunicacional é pouco explorada, como se fosse pouco atraente, um limbo onde poucos pesquisadores se arriscam a caminhar em busca de explicações e/ou interpretações. Ainda que seja um limbo, a interface é fundamental em quase todos os processos humanos, especialmente na comunicação, e da mesma maneira na representação da notícia, onde o conteúdo midiático é muito intenso, diversificado. A interface é o primeiro contato que o usuário tem com o conteúdo midiático; ela media o conteúdo e o usuário, num processo de tradução da mensagem original para uma linguagem humana e cognitiva. No campo da tecnologia, interface significa “dispositivo capaz de assegurar o intercâmbio de dados entre dois sistemas (ou entre um sistema informático e uma rede de comunicação)” (SCOLARI, 2004, p.39). Em realidade, a interface é fundamental para a comunicação contemporânea, especialmente, mas não exclusivo, para as mídias digitais, onde uma diversidade de informações e possibilidades compartilha um mesmo espaço composto por luz, som, movimento e atualmente as sensações tácteis. Interface existe no painel do carro, onde estão os comandos e as informações. Existe no controle remoto da televisão ou de um sistema de som. Existem nas gondolas dos supermercados para uma melhor comercialização dos produtos, inclusive com conceitos semióticos de transmissão da informação. Finalmente, existe na tela do computador ou de smartphones e tablets, onde o conteúdo é distribuído para que o usuário tenha uma melhor e mais atraente navegação. Mas é importante reconhecer os limites da tecnologia e do público e, com isso, escolher e construir interfaces que promovam o “diálogo” entre o usuário e o conteúdo. Especializado nos estudos sobre o tema, Lev Manovich (2005, p.120) propõe o termo “interface cultural” para descrever a interface entre o home, o computador e a cultura; são as formas em que os computadores exibem dados e permite a relação cognitiva com eles. Para o autor, a interface cultural é “a interface entre o homem, o computador e a cultura: são as maneiras em que os computadores apresentam os dados culturais e nos permitem relacionar-nos com eles” (MANOVICH, 2005, p.120). No entanto, para Manovich (2005, p.113): Em termos semióticos, a interface do computador funciona com um código que transporta mensagens culturais sobre uma diversidade de meios de comunicação. Onde usamos a internet, tudo o que existe de acesso - texto, música, vídeo, espaços navegáveis - atravessa a interface do navegador e, em seguida, o sistema operacional. Sobre os modelos de interface, Lev Manovich apresenta algumas possibilidades para uma utilização específica. Os modelos apresentados por Manovich (2005: 103) são interface de árvore, escalabilidade, simulação, interface de imagem e imagem da interface de instrumento. O modelo principal, interface arbórea, consiste na distribuição das possibilidades de ramificações "da árvore" através de nós neurais (MANOVICH, 2005, p.87). O autor desenvolve seu estudo sobre linguagens em conteúdos digitais, mas com uma preocupação no campo digital, especificamente sobre a arquitetura de distribuição do conteúdo na tela do computador, de maneira intensa e menos presente no campo dos processos cognitivos. Naturalmente, Manovich apoiou parte de seus olhares nos conceitos da semiótica, especialmente sobre a cultura humana, mas não oferece discussões especificas sobre as sensações a partir de interfaces, o que teria muita relação com a semiótica. Quem, de alguma maneira, imergiu nas sensações em processos visuais foi o filósofo austríaco Rudonf Carnap (2003), que em seu mais importante, e inacabado, estudo – Aufbau – discutiu o que recuperamos neste estudo para compreender as interfaces: recordações de semelhança. Essa teoria propõe que semelhanças observadas em ambientes visuais provocam recordações relacionadas a sensações. Isso é comum em processos de interface, por exemplo, em espaços onde a relação com o consumo é visível. Nesse caso, podemos apontar como exemplos as páginas de comércio eletrônico, que em alguns casos lembram a uma loja real, uma livraria com estantes de livros ou mesmo o carro de compras que o cliente pode “completar” com os produtos escolhidos. Isso é o que os autores definem como “experiência de compra”. Porém, há outros momentos onde as recordações de semelhança, como no jornalismo. Isso ocorre especialmente quando o jornalista busca construir uma relação com um fato anterior à notícia atual, e direcionar uma construção da opinião pública. São inúmeros os exemplos, mas podemos destacar uma capa da revista Veja4, de 10/08/2005, que apresenta o então presidente do Brasil, Luis Ignácio Lula da Silva, em uma pequena fotografia centralizada com um fundo negro e escrito Lula com duas letras L (uma verde e amarela) e a mesma tipologia usada pelo ex-presidente desposto por um processo de Impeachment, Fernando Collor de Melo (ver imagem 01). Essa interface da revista provocava uma recordação de semelhança entre os dois políticos, o que era interessante para o editorial, pois a reportagem proposta pela capa era a de que Lula caminhava para um possível Impeachment. Não é o objetivo de este estudo discutir o valor de notícia que tal reportagem pode oferecer, até porque naquele momento (e em nenhum outro) o governo Lula não caminhava para um Impeachment, ainda que fosse o interesse de grupos representados pela Veja. O que interessa nesse estudo é apresentar a utilização deste recurso proposto por Carnap para provocar recordações de semelhança e, desta maneira, construir a opinião pública. Esse recurso aproveitado pela revista Veja paira perto da semiótica, mas também podemos localiza-la nas ideias de Rudolf Carnap (2003), que as define como experiências elementares (Elementarerlebnisse), ou também como exel. Em seguida, o autor oferece conceitos de qualidade da semelhança em níveis sensíveis e cromáticos no campo audiovisual, a partir das seguintes categorias: auditiva, olfatória, táctil e cenestésica, todas elas relacionadas ao espaçotempo físico. E complementa: “Isto [essas definições de conceitos] parece justificar a asseveração de que as emoções sentidas (...) realmente se encontram no mesmo nível das sensações” (CARNAP, 2003, p.133). 4 Disponível em http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/100805/imagens/capa380.jpg. Acesso em 14/10/2014. Imagem 1: Capa sobre Lula na Veja O autor, em 1963, apresenta uma discussão sobre linguagens empregadas para provocar as recordações de semelhança, e para ele deveríamos reformular linguagens para tanto. Para ele, era fundamental “uma reformulação das definições como regras de operação para um procedimento construtivo aplicável por qualquer um, seja um sujeito transcendental kantiano ou uma máquina de computador” (CARNAP, 1963, p.18). Rudolf Carnap já vislumbrava essa necessidade de reformulação para o que estava por ganhar força nos processos comunicacionais, verdadeiramente estranho para os seres humanos no que diz respeito a processos e construções cognitivas no campo da comunicação. Para ele, inclusive, a interface do computador (ainda que precária naquele momento e limitada a usos militares e acadêmicos) carecia de definições melhores de classes, Segundo Carnap (1963, p.18), “nós encontraremos como classes sensoriais não somente as classes das qualidades visuais, as qualidades auditivas, as qualidades térmicas, etc., mas também as das emoções”, que podemos encontrar nas recordações de semelhança. E também defende que a emoção é construída a partir de um agrupamento de qualidades, e não somente uma isolada (CARNAP, 1963, p.93). Mas Rudolf Carnap não desenvolve suas ideias isoladamente. O autor dialoga com Charles Sanders Pierce, considerado o pai da semiótica, para quem “a consciência ocupa essencialmente um tempo: e o que é presente na mente em qualquer instante ordinário é o que é presente durante um lapso no instante em que isso ocorre. Então, o presente é metade passado e metade futuro” (PIERCE, 1999, p.322). Ou seja, o que sentimos é um pouco o que já vivemos e outro tanto que esperamos viver. Tais recordações de semelhança estão presentes nas interfaces dos tablets e dos smartphones de tela táctil, ou seja, são trabalhadas diversas sensações, ao mesmo tempo, como propõe Carnap. Além disso, pelo fato de se utilizar princípios de toque dos dedos como extensão do corpo, como propõe McLuhan (2005), a sensação obtida é real, ainda que por um espaço virtual. Lev Manovich (2005) também propõe olhares direcionados a uma interface que seja familiar. Para o autor: “A linguagem das interfaces culturais se compõem em grande parte de elementos de outras formas culturais que já resultam familiares” (MANOVICH, 2005, p.121). Com isso, percebemos uma relação direta com o que Rudolf Carnap propõe em Aufbau, ou seja, as recordações de semelhança, de certa maneira, também são consideradas por Lev Manovich. O autor também constrói uma relação entre as linguagens dos computadores e das interfaces culturais, presentes não somente neste dispositivo, mas também nele. Para Manovich (2005, p.125): Se os computadores utilizam o texto como metalinguagem, as interfaces culturais, por sua vez, herdam os princípios da organização textual que tem desenvolvido a civilização humana durante sua existência. Um desses princípios é a página. A página do computador é a interface que buscamos ao entrar em contato com seu conteúdo e ao aproveitar suas ferramentas. Trata-se de um espaço de construção cognitiva em que a interface é a principal ferramenta de linguagem. Porém, entre as diversas propostas sobre interface que podemos encontrar, há uma que oferece um interessante equilíbrio entre conceitos cognitivos e conceitos semióticos: a interface semio-cognitiva, desenvolvida por Carlos Scolari (2004) em sua tese de doutorado e posteriormente apresentada em seu livro Hacer Clic. Nesse estudo, o pesquisador argentino apresenta alguns conceitos sobre a interface a partir de olhares da psicologia, mas também entrelaça essas ideias com a semiótica e com os processos cognitivos. Para tanto, oferece a proposta de que uma interface de qualidade deve reunir em seu espaço dois fatores: a transparência e a interpretação, ou seja, a interface deve ser transparente, como defendem os semióticos e os psicólogos, mas também deve proporcionar a construção cognitiva a partir de sua existência, ou seja, o usuário deve sentir a interface, ainda que não a veja. Esse diálogo cognitivo entre o usuário e o conteúdo é importante, saudável e frutífero. Para o autor: A concepção protética das interfaces ganhou consenso entre os investigadores e desenhadores em forma paralela à difusão dos sistemas operativos com uma interface user-friendly. O verdadeiro problema com a interface – escreve Donald Norman, um dos pais da moderna ciência cognitiva – é que ‘se trata de uma interface (...). Eu não quero focalizar minha atenção na interface, eu quero concentrar-me em meu trabalho.’ (SCOLARI, 2004, p.24) Scolari ainda complementa explicando que Donald Norman propõe isso para que o usuário possa dedicar-se à atividade oferecida pela interface, e não em compreendê-la. O autor complementa com a reflexão de que a preocupação com a transparência tem suas origens na valorização da usabilidade automática, natural por parte do usuário. Para complementar a ideia, cita uma definição do psicólogo Giuseppe Mantovani (1995, p.65 apud SCOLARI, 2004, p.25), que aborda o tema em seus estudos, ainda que estas ideias sirvam somente para uma construção de sua tese sobre a interface semio-cognitiva. As tecnologias que funcionam bem têm a característica de desaparecer, de confundir-se com o entorno em vez de atrair a luz dos refletores; a atenção do usuário deve concentrar-se naquilo que quer fazer, não no instrumento. Quando comemos, nossa atenção se concentra na comida e não no garfo, a menos que o garfo se dobre ou se rompa. Porém, logo adiante em seu estudo, Scolari define essa ideia de interface transparente como uma utopia do desenhador de interfaces. Segundo ele, “a interface, como qualquer outro lugar onde se verificam processos semióticos, nunca é neutral ou ingênua. (...) A interação com as máquinas digitais está longe de ser uma atividade automática, natural e transparente” (SCOLARI, 2004, p.27). Para justificar a crítica com relação ao tradicional conceito de interface transparente, Carlos Scolari (2004, p.74) propõe uma ideia de interface semiocognitiva, e para tanto apresenta quatro modelos básicos: 1. Metáfora instrumental: a relação entre o usuário e o conteúdo digital é da manipulação dos objetos virtuais na tela (de comunicação do usuário para a tela);. 2. Metáfora superficial: a relação entre o usuário e o conteúdo digital ocorre a partir do reconhecimento de objetos virtuais existentes na tela (comunicação do computador para o usuário); 3. Metáfora de conversação: a relação entre o usuário e o conteúdo digital ocorre a partir do diálogo entre eles (o usuário e a troca de informações objeto virtual para a navegação); 4. Metáfora espacial: o usuário interage com outro usuário e também com o conteúdo digital (por exemplo, a comunicação virtual, entre duas ou mais pessoas, um processo de comunicação P2P (entre pessoas), processos de conectivismo (RENÓ, 2012), processo e conteúdo de jornais reconstruídos por usuários em processos de coautoria). Para apoiar essas ideias, Scolari produziu um esquema que compara visualmente as quatro metáforas de interface: Imagem 2: Metáfora da Interface (SCOLARI, 2004, p.74) A interface conversacional é a que proporciona o diálogo entre o usuário e o computador, em uma via de mão dupla. Porém, essa interface pode ser eficaz ou não, dependendo de seu grau semio-cognitivo. Para tanto, podemos comparar a interface de um computador de sistema operacional Windows, pouco eficaz no diálogo entre o sistema e o usuário, com a de um computador com o sistema operacional Mac OS, considerado um eficiente modelo no quesito visual. Para tanto, apresentamos o painel de controle dos dois sistemas abaixo: Imagem 3: Interface Windows 7N Imagem 4: Interface Mac OS Lion Enquanto a primeira exige uma observação detalhada de seu conteúdo, a segunda oferece as possibilidades ao simples clique, de maneira cognitiva e “transparente”. Há, ainda, más interfaces para ambientes interativos onde o usuário deveria dialogar com o conteúdo oferecido de maneira simples e direta, mas não consegue por uma falta de construção cognitiva. Como exemplo dessas interfaces podemos visualizar a interface do canal TELETEXTO, da TVE – Televisão Espanhola (Espanha). Com conteúdo limitado, mas interativo, a tela de acesso possui uma interface obsoleta, nada cognitiva nem semiótica, ainda que seja da metáfora conversacional. Registrada em 2011, a interface do canal naquele momento apresentava uma linguagem ineficiente. Imagem 5: Canal TELETEXTO - TVE Porém, dentre as quatro metáforas propostas pelo autor, a que adotamos na internet em espaços eficazes é, sem dúvida, a espacial, que propõe o diálogo entre espaços reais-virtuais (AUGÉ, 2007) e dois ou mais usuários. Esse tipo de metáfora está presente no cotidiano, por exemplo, em páginas interativas como a rede social Facebook (criticada pelos usuários em uma de suas recentes modificações de interface) e o sistema de comunicação interpessoal instantânea Skype, que possui fácil manuseio de seus comandos, ainda que em alguns momentos ofereça certa dificuldade. Imagem 6: Interface Facebook Imagem 7: Interface comunicadora instantânea Skype Ainda no campo das metáforas, consideramos a espacial como a ideal para a narrativa transmídia, pois nesse espaço é necessário oferecer, além do diálogo entre o usuário e o conteúdo de maneira interativa, também o dialogo entre usuários para promover a possibilidade de circulação por redes sociais. Porém, além disso, é fundamental considerar a estrutura do conteúdo em si (como propõe Lev Manovich) e as recordações de semelhança propostas por Rudolf Carnap. Dessa maneira, aproximamos o conteúdo do usuário de maneira semio-cognitiva, como finaliza Carlos Scolari. 3.2. O poder do audiovisual Para direcionar este estudo, é fundamental discutir as possibilidades apresentadas pelo audiovisual no campo da comunicação. As narrativas audiovisuais são as mais potentes formas de construção midiática por sua capacidade de reproduzir o real da maneira mais completa. Segundo Ricardo Bedoya e Isaac León Frias (2003), o audiovisual é fiel à realidade, pois mescla em uma mesma mensagem as informações cognitivas de uma imagem da realidade (som, luz, áudio, movimento, cor), podendo, inclusive, ampliar o espaço comunicacional para o extracampo. Essa explicação de Bedoya e Frias é interessante para compreender o poder da televisão, que para McLuhan (2005) é um importante meio de comunicação. Ainda que o autor canadense tenha declarado isso em 1964, tal ideia segue viva e válida, ainda que em um declínio de audiência desde a chegada da internet, definida por Vilches (2003) como a nova televisão. Mas o audiovisual assume importâncias maiores que as defendidas por Bedoya, Frias e Vilches. Segundo Lev Manovich (2005, p.138), “em poucas palavras o que antes era cinema agora é interface entre o homem e o computador”. Proponho em meu livro sobre documentário interativo (RENÓ, 2011) que o audiovisual navegável é uma linguagem natural, assim como outros tipos de linguagem (JAKOBSON, 2003), mas com um poder maior de sensibilização dos cidadãos. O audiovisual tem a capacidade de nos transportar para os sonhos que temos. Quando assistimos a um filme de época, por exemplo, nos transmitimos para aquele século. Se gostarmos, seguiremos assistindo à obra e repetimos a dose ou de tema ou de filme mesmo. Se não gostarmos, mudaremos de narrativa ou de história, mas provavelmente continuaremos entusiasmados com o audiovisual, que tem um poder de vício pouco visto em outras mídias. A base de um processo comunicacional contemporâneo é, sem dúvida, o audiovisual, não somente por sua capacidade cognitiva, mas também pelo envolvimento social com essa narrativa. Por essa razão, pensar em uma interface que tenha uma carga cognitiva apoiada em conteúdos audiovisuais é viável e justificável, especialmente em ambientes que proporcionam uma navegabilidade hipermidiáticas. De acordo com Gianfranco Bettetini (1986, p.9): As teorias e as verificações analíticas da perspectiva semiótica devem pouco a pouco ajustar as contas com o contexto social onde se coloca a interação por meio do audiovisual, com a concretização de manifestações discursivas que ali se produzem, com as funções que os meios audiovisuais têm assumido progressivamente e, sobretudo, com os resultados. Essa poderosa linguagem midiática pode ser a base de interface para o documentário transmídia em dispositivos móveis, que possui uma aptidão considerável no campo de linguagens de interface para o documentário transmídia em dispositivos tácteis. Tais equipamentos oferecem qualidade de áudio e vídeo suficientes para exibir um conteúdo de tal linguagem em sua interface, o que o indica como possível linguagem para a comunicação contemporânea. 3.3. Textos e textos A definição de texto passa por diversos significados. O primeiro deles é a construção de mensagens pela combinação de palavras construídas por uma sequência de letras. Essa é a que aprendemos desde que começamos os estudos. É a mais simplista e possui uma aceitação geral, não importa o idioma que a adote. Entretanto, para os estruturalistas, especializados em estudar a linguagem, texto é mais que isso, pois busca significado em diversas partes. Texto significa tudo que possui mensagem, não importando a combinação de palavras com uma sequência de letras. Para essa linha acadêmica, podemos considerar texto a palavra sonora, por exemplo, que possui seu significado, ainda que não ofereça uma estrutura iconográfica. Bakhtin (1997), por exemplo, defende a existência do texto em todas as partes. O mesmo ocorre com Jakobson (2003) declara que as relações humanas são construídas por textos de diversas maneiras. Por fim, Eliseo Verón (2004) propõe que uma mensagem é como um tecido, com seus diversos fragmentos, entre eles os textos construídos por uma iconografia, mas também por outros formatos textuais, entre eles as deixas simbólicas, que podemos encontrar no tom de voz de quem fala. Trata-se de pontos-de-vista de um grupo de investigadores que consideram a mensagem como o mais importante, e não os processos ou os espaços. Para estes olhares, o vídeo é um texto, assim como o som, a foto, a cor, a diagramação ou o enquadramento do conteúdo, etc. O contexto também tem valor para esse grupo, que considera a análise da mensagem como a ação mais importante para conhece-la realmente. Um ponto importante com relação ao tema é a existência do próprio conceito da linguagem transmídia, já que ela surge do que estudam estes cidadãos: a intertextualidade (cf Introdução). Para tanto, Marsha Kinder (1991) se apoia no conceito de dialogismo proposto por Bakhtin (1997) e também nas ideias dos estruturalistas para compreender a construção de sentidos a partir de textos de diversos tipos. Entretanto, a autora investiga sobre audiovisual para propor essa definição, o que está longe do significado tradicional do texto para a sociedade. Porém, existem textos por outras correntes acadêmicas, além das tradicionais. Os ecologistas dos meios, ou “media ecologists”, corrente que surge no eixo Toronto-Nova Iorque pelo grupo conformado por atores como Marshall McLuhan e Neil Postman, consideram que a mensagem está em todas as partes, inclusive nos textos, mas não somente neles. Também consideram que está em outras partes que os estruturalistas não consideram explicitamente. Para eles, podemos encontrar mensagem midiática na luz, como propõe McLuhan (2005), o que é compreensível, pois o cinema e a televisão existem, de alguma maneira, graças à luz e suas variações de tons. Porém, para outros, como a investigadora estadunidense Valerie Peterson (2011), os processos de construção e recepção de mensagens são encontrados inclusive no sexo. Para a autora, podemos encontrar mensagens midiáticas nas relações sexuais, e o corpo pode ser um meio inclusive nestes momentos. “Sexo é comunicação no senso da psicologia – como uma flor comunicadora que recebe seu pólen – de modo que parceiros comunicam aromas, gostos, sensações e substâncias” (PETERSON, 2011, p.59). Ainda, para a autora: Comunicação também está relacionada ao sexo, de maneira que o entendimento sobre sexo e sexualidade caminha através da conversação e a escrita pública. Isso significa que, além do sexo e da comunicação, e a comunicação interpessoal sobre sexo, há também a prática social de comunicar sobre sexo, e nenhum destes contextos é totalmente distinto ou imune aos outros. (PETERSON, 2011, p.71) A autora propõe que isso é mensagem. Se considerarmos as ideias de Valerie Peterson como viáveis para a compreensão da amplitude da comunicação, devemos considerar que o sexo é um texto, ainda que não possua uma combinação de palavras e letras. Tais ideias confortam a tese que possuo sobre uma necessária revisão de uma das mais clássicas propostas de Marshall McLuhan de que “o meio é a mensagem”. Nesse caso, a mensagem é o meio, pois uma relação sexual não pode ser considerada como meio, e sim como mensagem, de acordo com Peterson. Ainda no campo da ecologia dos meios, encontramos uma interessante experiência sobre estudos de linguagens por Twitter realizada pelo professor Robert K. Blechman, do departamento de Comunicação e Estudos de Meios da Universidade Fordham, em Nova Iorque. O pesquisador está escrevendo atualmente um livro totalmente a partir deste meio, construído e definido por uma nova mensagem. Dessa forma, o autor fortalece a ideia de que atualmente a mensagem é o meio. Imagem 8: Canal do livro Executive severance no Twitter O livro, intitulado Executive severance5 é uma ficção que envolve na narrativa temas relacionados com a ecologia dos meios. Seu conteúdo está 5 Disponível em https://twitter.com/Twitstery. Acesso em 16/11/2014. sendo produzido totalmente por Twitter, e ao final será uma construção narrativa a partir de mensagens limitadas a 140 caracteres, um novo texto, uma mensagem que define um meio. Mais uma mostra de que agora “a mensagem é o meio”, pois Blechman definiu um formato de mensagem e está adaptando o meio a essa proposta de mensagem. Definimos os meios que vamos usar de acordo com a mensagem que queremos produzir. Lev Manovich, em seu atual estudo - Big data, visualization a digital humanities6- desenvolve uma investigação com relação aos processos de produção, exibição, observação e interpretação de conteúdos digitais audiovisuais num momento em que a quantidade de dados e de narrativas ocupa um mesmo espaço que antes recebia volumes e diversidades de linguagens mais modestas. Manovich, em seu estudo, desenvolve uma interface multicanal com informações diversas sobre temas relacionados entre si, para que o usuário desenvolva sua “leitura” audiovisual em uma big-tela de dados e compreenda o conteúdo. Imagem 9: Big-data, formato proposto por Lev Manovich7 O desenvolvimento do estudo está sendo realizado no Laboratório de Estudos de Softwares da Universidade da Cidade de Nova Iorque, onde trabalha o investigador atualmente. Essa preocupação do investigador em 6 Disponível em Acessado em 16/11/2014. 7 Disponível em Acesso em 15/01/2015. http://lab.softwarestudies.com/2012/10/big-data-visualization-and-digital.html. http://lab.softwarestudies.com/2012/10/big-data-visualization-and-digital.html. compreender esses processos, suas problemáticas e características demonstra ao mesmo tempo em que existem textos e textos, ou seja, que o texto vai além da combinação de palavras e letras para dar um sentido à mensagem. Nesse sentido, interface é um texto, acima de tudo, e esse texto é desenvolvido nesta investigação, proporcionando uma construção discursiva a partir de múltiplas plataformas, como propõe a narrativa transmídia. De todas as formas, texto é mais amplo que simplesmente um pacote de palavras e letras. Textos são compostos por ícones, símbolos e signos, como definem os semióticos. Textos são construídos por percepções, interpretações e sensações, como propõe Carnap. Textos são processos complexos de construção de mensagens, sejam pelos meios convencionais, sejam por meios inovadores ou mesmo por meios que nem conhecemos ainda. Mas percebemos que dentre os textos, o mais eficiente é o audiovisual, onde se presencia uma representação praticamente fiel da comunicação natural, ou seja, a que enxergamos a olho nu. 3.4. Multiplataforma A comunicação contemporânea é construída na multiplicidade de plataformas comunicacionais. Trata-se de uma convergência midiática, onde diversos meios distintos compartilham um mesmo espaço ou constroem em conjunto uma narrativa comum. Para Lorenzo Vilches (2003), a migração digital é acompanhada por uma construção multiplataforma, onde a convergência de conteúdos e linguagens é o alicerce. Para Henry Jenkins (2009), a convergência midiática existe e é fundamental para a comunicação atual, mas também devemos acompanhar esse processo com outra convergência, denominada pelo autor de cultural, onde não somente conteúdos são multiplataforma, mas também os significados destes conteúdos se complementam, fundamentando isso na narrativa transmídia. Complementa o autor que essa convergência deve ser centrífuga, e não centrípeta, ou seja, devemos, ao produzir essa convergência, oferecer esse conteúdo a todos de maneira participativa. Para Lev Manovich (2005), essa convergência existe de maneira abstrata, inclusive, e sua estrutura é como uma montagem fílmica (para tanto, o autor compara o processo com a obra O homem com a câmera, de Dziga Vertov). Dessa maneira, todas as partes terão uma relação entre si, ainda que complementares. Tal ideia se assemelha à proposta de Marsha Kinder (1991) ao oferecer à intertextualidade transmídia, onde conteúdos fragmentados e distintos, mas relacionados entre si, convivem em uma mesma narrativa macro. Porém, entre todas essas ideias, a que mais justifica a multiplataforma é a de George Landow (2009, p.49), quem propõe a ideia de hipermídia como consequente ao hipertexto. Para tanto, oferece um resgate sobre a evolução do termo hipermídia a partir dos pioneiros do hipertexto. Segundo o autor, inicialmente as propostas foram distintas do que conhecemos usualmente, mas de alguma maneira colaborou com a evolução dessa preocupação e, consequentemente, de sua utilização. Segundo o autor: Muitos investigadores do hipertexto, inspirados por Bush8, desenharam e implementaram tais sistemas e infraestruturas abertas de hipermídia, cuja característica básica na base de dados de links ou catálogo de links (linkbase) (ver Rizk e Stucliffe para uma lia de ditos sistemas). Intermídia, um destes sistemas recorria à separação de links e dados para permitir aos usuários gerar múltiplas páginas web do mesmo corpus de textos e imagens, dependendo do direito de acesso de um usuário individual, ele ou ela pode visualizar as webs criadas por outros. (LANDOW, 2009, p.49-50) Do conceito intermídia surge a hipermídia, tendo como base essas características apresentadas e estudadas por Landow. Esses estudos direcionam o conceito para uma evolução do hipertexto, onde os links passam a interligar não somente textos, mas todo e qualquer tipo de mídia adotada, originando o nome do formato. Ainda assim, para facilitar a leitura de sua obra, Landow adota as duas palavras como sinônimas, segundo ele proposital (ainda que de alguma maneira equivocada), em Hipertexto 3.0. E complementa com uma ideia de que o conteúdo pode ser navegado internamente ou externamente, mantendo o seu status de hipermídia. Armazenando links fora do texto, das imagens e de outros meios, os sistemas abertos de hipermídia podem colocar links no documento web de outra pessoa sem afetar sequer o dito documento: Vannevar Bush passeia pela rede. Dependendo 8 Vannevar Bush publicou em 1945, na revista Atlantic Monthly, um artigo que comentava sobre a necessidade de máquinas de informação de dados se conectarem para a realização de tarefas para os profissionais dessa época processarem seus dados (LANDOW, 2009, p.33). dos desejos de quem possui o servidor, estes links acessados podem ser vistos por qualquer que visita sua página web, ou melhor possam ser projetados por outsiders. (LANDOW, 2009, p. 52-53) Imagino que a adoção de hipertexto e hipermídia como sinônimos seja porque atualmente é inaceitável uma estrutura que contenha links e não seja hipermidiática, pois isso seria um insuficiente aproveitamento das possibilidades narrativas atuais. Entretanto, tal insuficiência é realizada com frequência por páginas de diversos jornais eletrônicos. Espaços multiplataforma são ambientes que sustentam as narrativas transmídia, além de aproveitarem as tecnologias existentes, cada vez mais integradas. Para tanto, a rede social de comunicação gráfica Thinglink9 oferece grátis a construção de páginas tácteis com interfaces animadas e de conteúdo hipermídia em tecnologia HTML5. Tal conteúdo pode ser agregado a qualquer página a partir de códigos HTML, inclusive em construções de sites com a mesma linguagem pelo aplicativo Adobe Muse e em aplicativos grátis para o mesmo fim, como Wix (cf. Metodologia) e Appsbuilder10, este último destinado à produção de aplicações específicas para smartphones e tablets. Imagem 10: Interface produzida pelo aplicativo Thinglink.com 9 10 Disponível em http://www.thinglink.com/. Acessado em 19/01/2015. Disponível em http://www.apps-builder.com. Acessado em 19/01/2015. Pensar em uma narrativa contemporânea que não seja multiplataforma é utilizar uma parte das ferramentas disponíveis e provocar uma frustração cognitiva nos usuários líquidos, como comenta Bauman (2001), ou ignorar as possibilidades dos “novos novos meios” apontadas por Levinson (2012). Mais que isso, é perder a oportunidade de desenvolver uma narrativa eficaz e que alcance um maior número de usuários espalhados pelo complexo comunicacional apresentado aos nossos olhos cotidianamente. 3.5. A navegação interna Navegação interna é uma construção narrativa a partir de links que direcionam a atenção do usuário para conteúdos existentes no próprio site ou na mesma interface. Considero essas duas modalidades para esse trabalho e adoto esses formatos na proposta narrativa apresentada. Uma página web pode oferecer caminhos narrativos externos, e isso não é um erro, ainda que seja prudente colocar um comando HTML (target= “blank”) para manter a página original ativa e abrir a nova página em outra base. Tal possibilidade existe até mesmo em blogs, na opção link, para que o leitor possa navegar sem perder a página original da navegação. Da mesma maneira, a página não perde sua audiência, possivelmente dissipada pela navegação. Lev Manovich (2005) comenta sobre navegação interna como uma maneira de construção narrativa interativa em páginas web. Também oferece como um processo semelhante à montagem audiovisual uma possível navegação no interior da cena, onde o editor “navega” pelo conteúdo audiovisual disponível para construir sua narrativa cinematográfica. Tal proposta foi defendida e testada por Renó (2011) ao criar um modelo de cinema interativo, onde a montagem audiovisual é a base de uma navegação interna de uma página web para a construção de uma nova narrativa a partir de fragmentos pré-existentes. A interface da página adotou o conceito de recordação de semelhança, de Carnap, pois segue um desenho próximo de um software de edição, ou seja, o usuário tem a sensação, por recordação de semelhança, que está efetivamente editando um novo vídeo. O modelo foi desenvolvido a partir de um experimento que contou com a participação de 112 investigadores sobre audiovisual de sete países (Brasil, Estados Unidos, Argentina, Equador, Colômbia, México e Espanha). Ao final, todos consideraram que essa navegação interna, que constava em arrastar os fragmentos disponibilizados em uma linha do tempo de edição (timeline) e montar sua nova obra a partir das micro-histórias oferecidas e editadas previamente. Imagem 11: Experiência sobre cinema interativo (RENÓ, 2011). Essa experiência provou a capacidade de navegação interna de uma página e até que ponto sua interatividade é eficaz. Não uma falsa interatividade, como comenta e critica Espen Aarshet (1997, p.48), para quem os termos interativos e interatividade são tão mal empregados que provocam nele certo pavor ao ler. Para ele, “declarar que um sistema é interativo é revesti-lo de um poder mágico”. Nessa experiência a interatividade não teve um poder mágico. A vivência dos participantes foi participativa, de reconstrução de novos caminhos e particulares experiências, como provaram as estatísticas obtidas pelo algoritmo de acompanhamento de processos criado especificamente para tal atividade. Ainda dentro do espaço de construções de conteúdos interativos, o mexicano radicado nos Estados Unidos, Diego Bonilla, criou uma obra audiovisual com navegação interna que oferece uma participação que também não oferece uma falsa magia. Denominado A space of time, a obra é apresentada em um CD ROM que oferece uma navegação semelhante a um vídeo jogo para construir caminhos dentro de um edifício antigo. Essa navegação proporciona a recriação de diversas histórias a partir das préexistentes. Para tanto, Bonilla adota a tecnologia Quicktime VR e oferece uma navegação dentro de uma cena animada. Imagem 12: A space of time, de Diego Bonilla11. Processos interativos não são mágicos, e muito menos quando esses processos ocorrem dentro de uma página. O que presenciamos nos processos e espaços contemporâneos é a oferta de uma navegação interna pelos tablets a partir de seus ícones que proporcionam recordações de semelhança (CARNAP, 2003). Esses ambientes e suas interfaces possuem certo poder mágico, de extensão máxima (até o momento) do corpo humano, onde o navegante usuário pode não somente simular um toque, como também tocar todos os conteúdos digitais existentes na tela do dispositivo. Porém, não podemos considerar exatamente como uma mágica, mas como uma construção estética e digital que proporciona alto nível de experiência e, por sua vez, certa “magia” cognitiva. Uma magia que mudou as formas de pensar e agir dos usuários, acostumados a mudar de páginas não mais pelas barras de 11 Disponível em http://www.ladiferencia.org/aec/index.php?option=com_content&view=article&id=2762:a-space-of-timeunespacio-de-tiempo&catid=191:internacional-interactivos&Itemid=346. Acessado em 20/02/2015. rolagem, mas por um simples click para desenvolver uma navegação horizonta. Essa é a mágica que nos interessa, e são nesses formatos de navegação interna que este estudo se apoia. Imagem 13: Interface tátil de um tablet iPad Ainda sobre esse tema, Aarshet (1997) propõe que, ao invés de interatividade, devemos adotar o uso da palavra ergódigo, derivada das palavras em grego “ergon” e “hodos”, ou seja, trabalho e caminho. De certa maneira, Aarshet não está totalmente errado, mas creio também que não precisamos sentir pavor da palavra interatividade por sua má utilização, assim como não sentimos medo da palavra transmídia, ainda má empregada em ambientes que são, no máximo, boas produções hipermídia com estratégia cross-media. 4. Documentário transmídia 4.1. Orientações sobre o tema A sociedade contemporânea convive atualmente com um novo modelo de linguagem que oferece conteúdos expansíveis e independentes entre si distribuídos por uma estrutura multi-linguagem: a narrativa transmídia. Porém, ainda que academicamente consolidada como linguagem, a narrativa transmídia ainda apresenta o desafio de estudos sobre sua aplicabilidade nos diversos gêneros comunicacionais existentes, entre eles o documentário. Para pensar no documentário transmídia é necessário antes resgatar o documentário interativo, suas limitações e possibilidades, assim como os métodos existentes para sua produção. Esse resgate se justifica pela familiaridade existente entre os dois modelos de documentários. O primeiro, interativo, propõe a oferta de conteúdos expansíveis e navegáveis, assim como uma participação – ainda que limitada - na reconstrução narrativa. O segundo, transmídia, tem as mesmas propostas, mas também apresenta a multiplicidade de plataformas de linguagem e uma diversidade de mensagens independentes entre si, mas relacionados um com o outro. Nesse aspecto, também entram estruturas narrativas que proporcionam uma melhor circulação da obra por redes sociais. Trata-se de um documentário composto por diversos microdocumentários. Nesse arcabouço de detalhes é necessário compreender e levar em consideração conceitos fundamentais para a produção de obras documentais transmídia (além da definição do próprio subgênero), entre eles a narrativa navegável possibilitada pela hipertextualidade e hipermidialidade. Também é fundamental compreender as diferenças entre cross-media e transmídia, pois ainda que semelhantes essas duas palavras significam finais distintos. Por fim, é fundamental entender o que é interatividade e, neste sentido, observar os estágios de evolução entre o documentário interativo e o mesmo gênero a partir da narrativa transmídia. Esta pesquisa apresenta um estudo de caso múltiplo analítico de cinco obras do gênero documentário que apoiam suas narrativas nos conceitos do transmedia storytelling para que um experimento fosse desenvolvido. Das cinco obras, três delas foram produzidas em ambientes digitais (Galego- português12(2013), Calles perdidas13(2013) e Hollow14 (2013)), e as outras duas (Morreu o Demo, acabouse a peseta15 (2012) e Tras los passos del hombre bestia (2013)) a partir de plataformas físicas ou múltiplas. Essa diversidade de plataformas tecnológicas demonstra que a tecnologia não assume papel imprescindível na construção da narrativa transmídia, pois tratase de uma construção de linguagem, e não de um discurso meramente tecnocêntrico. Neste estudo são propostos modelos básicos de produção de documentários transmídia. O objetivo é oferecer subsídios a produtores de documentários para que estes possam experimentar suas obras no campo do transmedia storytelling. O primeiro termo a ser compreendido é o próprio documentário transmídia, pouco conhecido pela atualidade de sua existência. Entretanto, o documentário em suas origens era transmídia (RENÓ, 2013), num momento em que os documentaristas realizavam expedições de exploração e em seguida preparavam exposições foto-documentais com diversidade de plataformas de comunicação. O documentário transmídia resgata essa essência original do registro documental, proporcionando ao usuário uma navegação (analógica ou digital) por múltiplos espaços e linguagens comunicacionais que ampliam o processo cognitivo. Trata-se de um novo formato de produção que não exclui nem invalida o tradicional. Apenas oferece uma nova condição para o espectador/usuário e um novo desafio para o produtor, que agora deve pensar na obra como algo amplo, além da linguagem audiovisual. Mas é de fundamental importância a compreensão sobre hipertexto, hipermídia e interatividade antes de pensar em observar o documentário transmídia, pois estes termos estão diretamente relacionados à construção narrativa deste que podemos definir como subgênero comunicacional, derivado do documentário tradicional e de outros gêneros, até mesmo pela característica que marca a narrativa transmídia. 12 Disponível em http://www.denisreno.wix.com/galegoportugues. Acesso em 19/06/2014. Disponível em http://www.documedia.com.ar/callesperdidas/. Acesso em 19/06/2014. 14 Disponível em http://www.hollowdocumentary.com. Acesso em 10/07/2014. 15 Disponível em http://www.ouff.org/web/index.php/content/view/5569/393/lang,galician/. Acesso em 19/07/2014. 13 Hipertexto e hipermídia são termos que demonstram um processo de desenvolvimento do primeiro. Hipermídia deriva do hipertexto, diretamente, e são relacionados entre si com os mesmos princípios de linguagem, modificando apenas os formatos de “textos” utilizados (BAKHTIN, 1986). O termo hipertexto foi definido por Ted Nelson (LANDOW, 2009) e refere-se à construção narrativa expansível, navegável, que conecta discursos textuais por nós neurais. A ideia é ampliada por Aspen Aarshet (2005: 95) como “ferramenta para a mente” por sua capacidade de criação de novas estruturas a partir da navegação pelos nós neurais. Já o termo hipermídia difere do anterior pela sua estrutura multiplataforma (LANDOW, 2009), que oferece a conexão entre discursos textuais, sonoros, audiovisuais, imagéticos e outros mais, como animação, infográficos, etc, também por nós neuras e caminhos navegáveis, denominado por alguns autores como multimídia. Entretanto, George Landow (2009) discute a pertinência de se adotar nos dias de hoje o termo multimídia (analógicos) por considerar que os processos criativos e de produção neste caso são divergentes dos adotados desde o advento do digital, que para ele recebe o nome de hipermídia. São termos parecidos, mas segundo o autor merecem diferenciação. Tal ideia é complementada por Tony Feldman (1995, p.48) como “a integração sem suturas de dados, textos, imagens de todas as espécies e sons dentro de um ambiente de informação”. Neste aspecto de semelhança de termos e significações, há uma constante confusão de interpretação entre dois termos parecidos, mas divergentes: cross-media e transmídia. Enquanto o primeiro representa a construção de uma estratégia comunicacional que consiste na distribuição de um mesmo discurso adaptado em diversas plataformas, o segundo propõe a construção de conteúdo expansível a partir de diferentes discursos – independentes entre si - por distintas plataformas e que em conjunto constroem um novo discurso (RENÓ, 2013). Tal confusão é prevenida por Henry Jenkins (2001), que imaginava em um determinado momento esse nivelamento de significados por parte de correntes teóricas. Realmente, são nomes que sugerem resultados iguais, mas na realidade possuem significados e aplicações divergentes. Finalmente, um termo fundamental para compreender o documentário transmídia é a interatividade. Ainda que conhecido e difundido, o termo enfrenta diferenças de interpretação por diversos teóricos, e ainda há correntes que discordam de sua existência, como o brasileiro Alex Primo (2007), para quem o correto é interação, ou seja, ação entre pessoas. Entretanto, Renó (2011) defende que interatividade é um termo correto também, pois o mesmo se refere à atividade do homem com a máquina. O teórico Andrew Cameron (apud SHAW, 2005, p.372) propõe uma maneira bastante simples e eficaz de se compreender em que consiste a interatividade. Segundo o autor, em processos interativos o usuário consegue obter novas experiências através de novos caminhos. Trata-se de uma reconstrução constante de novas estruturas de leitura a partir dos interesses e das decisões dos usuários. Porém, Lev Manovich (2005) propõe que dentro das diversas possibilidades interativas existem níveis distintos a partir de sua capacidade de participação. Para o autor, que define esses níveis basicamente como abertos e fechados, a interface é fundamental neste processo. 4.2. Multi-hiper-trans Ainda que denominado pelo próprio realizador Fernando Irigaray e o grupo coordenado pelo mesmo na Universidade Nacional do Rosário (Rosário, Argentina) como um documentário multimídia interativo, a obra Calles perdidas possui uma aproximação ao transmídia em diversos aspectos. O mais expressivo deles é a multiplataforma de conteúdos, cada um com discursos complementares e interligados entre si. Encontramos textos, fotos e vídeos, além de infográficos e linha do tempo com visualização animada. Os vídeos foram publicados no YouTube (ver imagem 15), o que determina parte de sua distribuição por redes sociais, como define como requisito Vicente Gosciola (RENÓ e FLORES, 2012). Entretanto, para que o documentário seja essencialmente transmídia, falta a possibilidade de circular por redes sociais a partir dos usuários. Imagem 14: Interface principal documentário “Calles perdidas”. No que se refere à interface, o documentário apresenta um conceito simples e que constrói a relação entre o usuário e o conteúdo a partir do que Manovich (2005) denomina como interface arbórea (imagem 14). Porém, distribui a navegação de maneira vertical, o que segue na contramão da usabilidade de dispositivos móveis (RENÓ, 2013). Ainda assim, é de simples navegação e atende ao que Carlos Scolari (2004) define como interface semiocognitiva. Um problema sobre a questão técnica foi apresentado na construção da interface para dispositivos móveis (imagem 15). A distribuição espacial não contempla tablets e smartphones da Apple, o que é ruim para a acessibilidade. Entretanto, isso é de fácil solução e considero que o objetivo do estudo foi desenvolver linguagem, e não tecnologia, e neste sentido a obra cumpre seu papel de maneira eficaz. Imagem 15: Problema de ajuste de interface para dispositivos Apple. A obra se enquadra no modelo definido neste trabalho como estruturado, ideal para documentários de caráter jornalístico. Neste sentido, Calles perdidas alcança seu objetivo com êxito, pois oferece conteúdo informativo reflexivo e com dados resultantes de investigação jornalística. Além disso, o usuário navega pelo conteúdo para obter informações sobre algo, e não como entretenimento e por essa característica não se incomoda com o sistema de navegação vertical. O formato estruturado é menos navegável e expansível, ainda que ofereça certo nível de interatividade. É recomendável para conteúdos jornalísticos por não permitir que o processo cognitivo confunda-se com uma experiência essencialmente lúdica. 4.3. Transmídia “analógico” Um grupo de produtores audiovisuais de Santiago de Compostela (Galícia) que integra a Tintiman Audiovisual lançou no final de 2012 o documentário audiovisual Morreu o Demo, acabouse a peseta, legendado em sete idiomas e que discute a história do personagem da cultura popular galega Barriga Verde, representado por teatro de fantoches (títeres). Naquele momento, uma das produtoras da obra, Comba Campoy, participou de uma oficina sobre narrativa transmídia realizado pela Universidade de Santiago de Compostela em parceria com o grupo Real_Code (Rede Europa, América Latina de estudos sobre Comunicação e Desenvolvimento), e dessa oficina surgiram ideias de reformular o projeto do documentário. As mudanças caminharam para a construção de uma narrativa voltada aos conceitos do transmedia storytelling, com apoio em espaços e discursos em ambiente digital e em espaços analógicos. Imagem 16: Livro documentário transmídia Morreu o Demo, acabouse a peseta. Além do documentário em plataforma audiovisual, que contou com participações em diversos festivais europeus desde sua estreia, a obra ganhou novas plataformas. O documentário passou a ser construído com um livro sobre a história do personagem Barriga Verde (imagem 16), um pôster caricato sobre os personagens da tradição (imagem 17), o documentário audiovisual em formato DVD e ainda constam no projeto a criação de um videojogo sobre o Barriga Verde e páginas em Facebook que contam e dão vida aos personagens do documentário, que serão lançados até o final de 2013. Imagem 17: Pôster sobre personagens do documentário transmídia. Por fim, a obra foi divulgada com um trailer publicado na rede social audiovisual Vimeo16. A escolha por essa rede social audiovisual surgiu pela qualidade de imagem oferecida, ainda que a página seja menos popular que o YouTube. O documentário está posicionado em uma condição interessante quando comparados com os exemplos estudados. Sua origem está no documentário tradicional, mas que ganha força na narrativa transmídia para terminar de contar a história que não coube no DVD e nem na narrativa audiovisual desenvolvida. Para tanto, busca uma maior participação e experiências de navegação cognitiva pelos conteúdos oferecidos. Além disso, busca uma consolidação como produto documental informativo e lúdico ao mesmo tempo, graças à estratégia de construção de um videojogo. 16 Disponível em http://vimeo.com/45668248. Acessado em 20/06/2014. Esse modelo é definido por este estudo como análogo-digital, pois valoriza essas duas condições como fundamentais para a construção narrativa ideal. Consiste em mesclar os dois formatos em uma única produção, considerando estratégias e linguagens dos dois na construção narrativa. Por essa razão, ao assistir o documentário em DVD percebemos que a estética adotada é apropriada para exibição em telas maiores que em um tablet ou smartphone. Essa estratégia pode ser adotada na adaptação e/ou ampliação de obras documentais tradicionais para a narrativa transmídia e, dessa maneira, ampliar a circulação da informação oferecida e oferecer uma segunda vida à história produzida anteriormente. 4.4. Exploratório transmídia Um terceiro exemplo de documentário transmídia é a obra Galegoportuguês, que aborda a relação cultural e idiomática existente entre galegos e portugueses. Relação que surge nos primórdios das duas regiões e presente atualmente entre os cidadãos desses rincões, especialmente do norte português. Porém, a construção desse documentário foi experimental e levou em consideração princípios fundamentais para a narrativa transmídia. Quase todo o documentário foi produzido a partir de dois dispositivos móveis: um iPad 2 e um iPhone 4, desde o roteiro de pré-produção até a edição de fotografias e do vídeo. Dessa maneira, foram contempladas as preocupações sobre mobilidade propostas por Marc Augé (2007) e também por Paul Levinson (2012), para quem os “novos novos cidadãos” constroem espaços dos “novos novos meios” e possuem uma especial relação com seus dispositivos móveis. Efetivamente, a produção total ou quase em sua totalidade a partir de dispositivos móveis não é uma condição para que o conteúdo seja transmídia, e nem o transforma em tal narrativa. Entretanto, a opção por essa forma de produção foi igualmente posta como desafio do experimento, que também considerou a distribuição e a opinião de participantes via Facebook, positiva em seus resultados. Na ocasião, 53 pessoas confirmaram a participação, sinalizando uma aprovação da proposta, além de nove comentários sobre a obra, todos positivos também. Ainda que o número seja inexpressivo, o fato de receber esse feedback em menos de cinco horas depois da publicação sinaliza uma força importante nas redes sociais. O documentário levou em consideração os princípios citados anteriormente neste texto sobre a origem da produção documental a partir da fotografia (RENÓ, 2013), e para isso construiu uma “instalação documental” na internet, reunindo em uma única página todos os conteúdos. Para tanto, adotou-se como tecnologia de produção da página o aplicativo grátis Wix.com, que oferece tecnologia HTML5 na construção, e o aplicativo também gratuito ThingLink.com, que possibilita a instalação de links dentro de uma imagem. Com isso, tornou-se possível a produção de uma interface navegável e sem barra de rolagem, permitindo ao usuário uma navegação tátil e centrada na visualização geral (imagem 18). Imagem 18: Interface do documentário Galego-português. Nesta composição, foram produzidos um vídeo documental que reuniu declarações de galegos, portugueses, espanhóis e brasileiros sobre a relação existente entre as duas culturas. O vídeo foi produzido pelos dois dispositivos, desde a gravação até a edição final. Além disso, foram disponibilizadas fotografias de Aveiro, Porto, Covilhã e Santiago de Compostela, todas registradas a partir de iPad e iPhone e editadas no aplicativo Adobe Photoshop Express. Imagem 19: Interface com exposição das fotografias. Na composição do conteúdo também foram oferecidos links para escutar músicas portuguesas e galegas enquanto navegava-se pela página, além de dois mapas que ilustravam a situação das duas regiões no passado (quando conformaram um mesmo território) e atualmente. Para reforçar essa informação, dois ícones com abertura de textos relacionados a informações geopolíticas foram distribuídos na interface. O conteúdo textual foi oferecido a partir de um link para uma publicação de uma crônica sobre a descoberta dessa semelhança cultural em um blog, produzido também com a utilização de um iPad. Por fim, para complementar esses conteúdos, foi produzido um comic que ilustrava o diálogo entre portugueses e galegos no dia-a-dia (imagem 20), enquanto caminhavam pelas ruas de Santiago de Compostela. Neste sentido, Carlos Scolari (2013) define de maneira interessante a adoção de comics em ambientes transmídia, justificando que trata-se da história contada por outros olhares. A adoção de comic em um documentário é uma tendência impressa também em obras com narrativas tradicionais. Imagem 20: Comic produzido para o documentário. Esse formato de documentário apoia-se no modelo denominado por esse estudo como visualização navegável, pois oferece os conteúdos para navegação em um único ambiente. O diferencial deste modelo em comparação com os outros é uma mais simples navegação, além de oferecer todas as possibilidades interativas em um único espaço. Entretanto, vale ressaltar que o fato de ter sido produzido totalmente a partir de telefones celulares se justifica pelo desafio, o que não impede novas produções a partir de dispositivos convencionais. Ainda que seja um primeiro estudo na tentativa de definir alguns modelos de produção de documentários transmídia, esta investigação não possui uma conclusão definitiva, e nem tem essa pretensão. A intenção ao definir alguns modelos é somente para exemplificar como podem ser justificados tais modelos em futuras produções. A falta de definição de formatos é uma máxima quando se pensa em narrativa transmídia. Afinal, a criatividade é uma marca nesta linguagem. .Além disso, o gênero documentário é uma obra artística, ou seja, não há como definir formatos limitados de produção. Considero que essas definições de modelos podem auxiliar a compreender que um documentário transmídia não exige uma circulação exclusivamente por ambientes digitais, pois trata-se de uma linguagem, uma maneira de contar a história. Exemplo disso é o documentário Morreu o Demo, acabouse a peseta, que pretende finalizar a série de extensões narrativas com “textos” em ambientes digitais. Entretanto, todos os outros fragmentos oferecidos pela obra estão em plataforma analógica, como livro, DVD (ainda que seja registrada de forma digital, essa plataforma é considerada neste texto como analógica por materializar-se em um disco). Outra consideração refere-se às limitações de interface e de narrativas existentes na obra Calles perdidas, que oferece uma estrutura definida como multimídia pelo próprio autor, mas que ao final de sua estrutura revelam uma narrativa transmídia que contempla conteúdos jornalísticos em sua navegação. Ainda que faltem links para redes sociais, essa produção (desenvolvida também em caráter experimental) aproxima-se do ideal transmídia. Por fim, dentro dos parâmetros compreendidos para a narrativa transmídia, considero que o ideal em modelo navegável e expansível para a construção de um discurso documental é proposto pela obra Galego-português, ainda que a plataforma apresente problemas tecnológicos por se tratar de aplicativos em modalidade gratuita. Porém, o fundamental nessa conclusão é entender que o documentário transmídia, assim como obras do gênero documentário por linguagem tradicional, não consegue ajustar-se a um único modelo, como justifica Bill Nichols (1997). A mescla entre linguagens e formatos é uma marca do documentário, segundo o autor, e se justifica pela liberdade da criação artística. Dessa maneira, convido novos pesquisadores e produtores a arriscarem nessa realidade que está apenas começando e que tem muito a expandir no campo da produção audiovisual que oferece ao expectador discursos navegáveis de realidade: o documentário transmídia. 4.5. Navegação territorial Há uma discussão no campo do documentário transmídia que passa por uma definição fundamental do transmedia storytelling, apresentado por Henry Jenkins (2001) sobre conteúdos multiplataforma. Ainda que a tradução ao português justifique a compreensão sobre uma diversidade de plataformas físicas, a proposta de Jenkins refere-se a uma diversidade de plataformas de linguagem, e não como foi interpretado a partir das traduções simplistas dos originais em inglês. Mas, apesar disso, algumas obras são apoiadas no conceito equivocado, e o mais destacado exemplo disso é o documentário “Tras los passo del hombre bestia” (2013), dirigido e produzido por Fernando Irigaray e seu grupo, da Universidade Nacional de Rosário, Argentina. A obra oferece uma navegação que não depende do espaço digital, unicamente. Uma das justificativas para essa opção é uma interpretação conceitual de seu diretor, que considera condicional para uma construção narrativa transmídia a territorialidade, ideal para construir o projeto a partir de uma obra audiovisual originalmente linear. Imagem 21: Cena do documentário Tras los pasos del hombre bestia (2013). No projeto, além do vídeo, foram realizadas ações exteriores pelas ruas de Rosário, Argentina. Mas tudo isso também foi apoiado por exibições de vídeos produzidos essencialmente para YouTube e que direcionam as atividades exteriores (complementares, mas com histórias totalmente distintas do documentário audiovisual). Imagem 22: Ações pela cidade para promover o videogame online. Os vídeos apresentam como personagem principal o detetive Marcelo Colman, que no vídeo original é secundário, mas no YouTube ganha força como protagonista das ações. Marcelo, que tem esse nome em sua vida real, é um jornalista que, curiosamente, estudou diversos cursos a distância, entre eles o de detetive, Acaba ganhando notoriedade pela cidade como o personagem do documentário. Além disso, informações para condução de um videogame online foram publicadas em pontos específicos pela cidade a partir de código QR, promovendo aos participantes uma navegação exterior. Por essa razão, o formato é denominado navegação territorial e tem uma valorização importante porque consegue envolver os participantes em ambientes não somente virtuais, mas também territoriais. 4.6. Os nós neurais transmidiáticos no documentário Hollow Hollow é um documentário transmídia que representa as diversas possibilidades do subgênero. Produzido, escrito e dirigido pela norte-americana Elaine McMillion Shedon, a obra tem como proposta discutir questões relacionadas ao interior de West-Virginia, desde o êxodo rural norte-americano pós-guerra à cultura sobrevivente no local. Além disso, a região onde são captadas as as imagens é formada por um vale entre montanhas, ou seja, um hollow17 geográfico, como explicado na introdução da obra. Para tanto, Elaine cria uma obra que oferece, em uma única plataforma midiática (o computador, exclusivamente conectado pelo navegador Google Chrome) uma diversidade de plataformas de linguagem que vai desde textos e citações, fotografias, vídeos, áudio, mapas interativos e infográficos, até uma estética de bricolagem de camadas, comum em algumas animações infantis. O nome do documentário – Hollow – acaba sendo incompatível com o seu papel no campo da narrativa transmídia, pois a obra preenche um vazio (uma das possíveis traduções da palavra) existente até então. O documentário Hollow oferece, em um único espaço, a multiplicidade de plataformas proposta por Jenkins, além de apresentar a navegação entre nós neurais comentado por Manovich (2005) e confirmado por Renó (2011), o que transforma a obra em um documentário essencialmente transmídia. Entretanto, a documentarista vai além, ao ampliar a discussão às mídias sociais e também à maneira de financiamento de obras – crownfunding -, que conta com uma rede de contatos para alimentar financeiramente o projeto. A proposta estética do documentário é apoiada na apresentação multiplataforma de conteúdos diversos, sejam eles estáticos ou dinâmicos. Além disso, a obra apresenta conceitos de transição entre subplots18 suportados em fotos subjetivas ou imagens de apoio, em alguns casos apresentados a partir de camadas em movimento, conforme imagem a seguir. 17 Hollow significa oco, vazio, em português. Uma história audiovisual é construída a partir de um plot e de seus subplots. Segundo Renó (2011), plot é a espinha dorsal da narrativa cinematográfica, e os subplots são os desdobramentos em novas histórias encontrados como consequência do plot. 18 Imagem 23: Sequências que representam transições imagéticas por camadas. A qualidade estética apresentada oferece uma diversidade de “textos” dentro de uma intertextualidade na construção narrativa, o que facilita e diversifica o entendimento da história. No documentário, percebemos o diálogo entre textos e ilustrações feitas pelos personagens, o que representa a participação dos mesmos no testemunho dos fatos. Essa estratégia proporciona uma diversidade artística e um teor lúdico no documentário, algo interessante para uma melhor absorção das mensagens. Imagem 24: Sequência com intertextualidade em Hollow. Conforme Renó e Gonçalves (2011), a intertextualidade é fundamental na construção de uma eficaz narrativa audiovisual. A diversidade de textos é, inclusive, uma realidade histórica no cinema, ainda que pouco aproveitada no documentário. Hollow adota esse diálogo textual em sua narrativa, alterando essa realidade. Outra estratégia adotada pelo documentário – a construção de conteúdos multiplataforma independentes, mas complementares, caracteriza a obra como um documentário transmídia (cf. Imagem 25), ainda que a produtora Elaine McMillion o define como documentário interativo. Segundo Renó (2013), o documentário transmídia deve oferecer essa diversidade de plataformas de linguagem para ampliar as possibilidades de navegação e cognição. Hollow oferece, além da navegação dentro do conteúdo - ou no interior da cena (MANOVICH, 2005) -, uma navegação externa, com acesso a outras páginas na internet com informações complementares. Para tanto, adota diversidade de cenas estáticas (fotografias) com vídeos tanto em transições como em conteúdos específicos da obra. Imagem 25: Nós neurais para conteúdos complementares internos às cenas. Outra característica de navegação e complemento de conteúdos presente no documentário pode ser constatado a partir de retroalimentação por parte dos usuários. Trata-se de uma essência do documentário transmídia (RENÓ, 2013), ou mesmo da narrativa transmídia (GOSCIOLA, 2012). Podemos perceber essa característica numa cena do documentário em que a narrativa questiona o usuário com as perguntas: “Você já teve que sair de casa para encontrar oportunidade? De onde você sair? Para onde você viajar? Quantos anos você tinha?”. Cada pergunta oferecia uma tabela para que o usuário preenchesse (se assim decidisse) e enviasse à página (cf. Imagem 26). Em seguida, oferecia também a oportunidade de acompanhar os resultados estatísticos já alcançados com essa possibilidade. A participação é algo fundamental no documentário transmídia. Ele faz com que o usuário faça parte do processo de reconstrução da história, não somente pela reorganização e pelo processo criativo da navegação (RENÓ, 2011), como também no resultado da mesma, seja ela pelo comentário ou, como é o caso, pela contribuição a partir de respostas apresentadas posteriormente a outros usuários. Para tanto, devemos considerar o que vem a ser interatividade. Ainda que diverso autores discutam o que vem a ser um processo interativo, inclusive com algumas discussões defendendo que interatividade não existe – e sim interação (PRIMO, 2007), adotamos neste estudo o conceito de que interatividade é a obtenção de um mesmo resultado por diversos caminhos que, por sua vez, oferecem diferentes experiências. No caso dessa obra, o resultado único é o processo de assistir ao documentário. Imagem 26: Cena com tabela para participação e retroalimentação em Hollow. A diversidade de informações a partir de novas plataformas também está presente na obra. Hollow utiliza de maneira intensa de infográficos com hipertextos, e aumenta essa informação com uma “provocação” de participação/consulta do Twitter pelo usuário. Isso se vê presente numa sequencia que fala sobre a aproximação de uma forte tempestade e seus dados. Essa navegação externa e o suporte do Twitter para tal tipo de fenômeno foi presenciado em outras situações de catástrofe natural nos Estados Unidos, como os furacões Isaac e Katrina (cf. Imagem 27), esse último com um volume de pedidos de socorro ao Corpo de Bombeiros de Nova Iorque pelo Twitter superior ao convencional, pelo telefone. Imagem 27: Intertextualidade e Twitter para narrar a tempestade. Hollow também adota o uso de imagens produzidas pelos próprios entrevistados a partir de dispositivos móveis na construção da narrativa. Para tanto, identifica as diferentes imagens em movimento com créditos quando são de autoria externa. Essa é uma característica do documentário transmídia (RENÓ, 2013), pois envolve a mobilidade não somente na exibição, com também no processo produtivo. Despreocupada com a qualidade estética do conteúdo apresentado como algo exclusivo, Elaine McMillion diferencia de maneira clara as diferentes origens de imagens em movimento, não somente pelos créditos, mas também pelo tamanho da janela de projeção no interior da cena. As imagens de terceiros são exibidas em uma janela menor e provem de um ícone diferente no interior da cena de base. Imagem 28: Cena com imagem de autoria da entrevistada. Por fim, percebemos no documentário uma característica interessante sobre a preocupação em assinar a obra. O usuário não é obrigado a assistir aos créditos, fazendo-o somente se decidir. Caso queira, abre uma nova janela com os créditos visualizados a partir da barra de rolagem, como toda a obra. Com esse estudo, percebemos que Hollow é um documentário transmídia elaborado previamente e a partir de uma roteirização eficaz dentro dos parâmetros da narrativa transmídia. A multiplataforma é uma característica fundamental da obra que, além disso, apresenta arte e criatividade na construção narrativa. Hollow pode modificar os horizontes do documentário transmídia. Ele materializa todos os conceitos já definidos por pesquisadores sobre o tema, fazendo com que essas ideias sejam testadas e, neste caso, aprovadas com êxito. A narrativa possui uma navegação suave do começo ao final e a busca por novidades dentro da tela (navegação no interior da cena) é uma provocação constante, ainda que sutil. A verdade foi revelada durante toda a obra, proporcionando ao usuário conclusões reais sobre os temas abordados. Ao mesmo tempo, a narrativa oferece traços de gamificação em sua navegação, tornando a experiência lúdica e não-linear. Isso é o que Manovich (2005) indica como fundamental para um processo interativo. Tal proposta também é apresentada por Lorenzo Vilches (2003), para quem a migração digital deve ser acompanhada de processos participativos. Um valor destacado do documentário é a qualidade estética. Ainda que o mesmo tenha sido produzido por uma equipe reduzida, a qualidade artística apresentada é elevada. Além disso, a mistura e a diversidade de conteúdos complementares, mas independentes, merece comentário. As transições e os movimentos internos realizados a partir de camadas com fotografias recortadas proporciona à obra um dinamismo muito além do que poderia obter-se com a exclusiva adoção de imagens em movimento. Essa movimentação sai da normalidade, o que provoca atenção do usuário no momento em que assiste à obra. Algo novo também apresentado no documentário foi o convite à leitura externa, a partir de hashtags sobre a forte tempestade. Ainda que fosse um acontecimento antigo, esse convite pode ter gerado interesse em alguns usuários do documentário. Constatou-se, na pesquisa, que tal navegação é possível e interessante. Uma inovação apresentado pelo documentário Hollow foi o convite à participação concreta do usuário na construção da história. Esse processo construtivo não se limita à definição do roteiro de leitura (RENÓ, 2011), e sim à construção de um conteúdo a partir da retroalimentação. Trata-se de um produto do género documentário efetivamente participante da nova ecologia dos meios, onde o “new new citizen” (LEVINSON, 2012) busca uma participação constante nos processos midiáticos. Por fim, devemos observar o valor do documentário pela construção do roteiro. Lev Manovich (2013; 2005) aponta para a importância em definir algoritmos de navegação em obras interativas, e percebemos a existência de funções algorítmicas na obra. Vale ressaltar que algoritmo (RENÓ, 2011) é um conjunto de atividades finitas e ou infinitas criadas para realizar uma tarefa, não limitadas a comandos binários, ainda que em Hollow percebemos vários comandos existentes. Sobre essas atividades pré-definidas no roteiro, Vicente Gosciola (2008) compartilha com Denis Renó (2011) ao afirmar que tal planejamento é fundamental para que a produção tenha êxito. Esse plano de navegação deve ser desenvolvido da melhor maneira possível, preferencialmente visualizável por fluxogramas (RENÓ, 2011). Hollow é uma contribuição importante não somente para o documentário em si, mas também para a produção de conteúdos construídos para narrativas de realidade apoiados ao transmedia storytelling. Esse tipo de construção narrativa é criticado por correntes conservadoras da comunicação, pois questiona-se o fim da autoria. Para tanto, Renó (2011) aponta para a existência de uma nova relação entre autor e público: a coautoria. 5. Entre a mensagem e o usuário A história da comunicação foi construída a partir da relação entre a notícia e o usuário, especialmente em sua construção. Nesse caso, o usuário assumiu, historicamente, a função de fonte de informação, possibilitando a existência da mesma. Entretanto, com o desenvolvimento das tecnologias digitais, especialmente a web 2.0, essa relação ganhou força. Os usuários passaram a produzir “notícias” com seus dispositivos eletrônicos de gravação de vídeo e áudio e ganharam espaços para a distribuição desses conteúdos informativos na rede internacional de computadores. Tais atividades foram responsáveis pelos registros e as informações sobre a revolta conhecida como Primavera árabe, com a exibição de vídeos sobre o que acontecia na região por canais de YouTube, além de sua repetição em blogs e em redes sociais tradicionais, como o Facebook. Outros acontecimentos também circularam pelas redes sociais graças a essa mudança tecnológica, como os conteúdos produzidos pela blogueira cubana Yoani Sanchez, que nos momentos de maior censura encontrou como alternativa a produção de textos totalmente a partir de SMS, direto de seu celular. No parágrafo anterior apresento a palavra “notícias” entre aspas e há uma justificativa dessa representação, apesar de tal denominação provocar polêmicas que não fazem parte da proposta desta investigação. Ainda que Dan Gillmor (2005) conceitua de maneira sólida a utilização de notícia aos conteúdos cidadãos, denominados pelo autor como jornalistas cidadãos, e que Oscar Espiritusanto e Paola Gonzalo Rodríguez (2011) apresentam novos dados sobre essa prática que cresce na sociedade em gera, não entrarei nesse tema, ao menos neste texto, por não considerar pertinente ao estudo desenvolvido. Esse capítulo oferece os resultados práticos do experimento a partir de patamares teóricos também sobre o tema e também os processos evolutivos da investigação com relação ao estudo da interface e, a partir dele, desenvolver os documentários interativos com a interface ideal. Para tanto, são oferecidos conceitos pontuais sobre a proposta, especialmente no que diz respeito aos caminhos de leitura visual e às tendências de construção narrativa por interfaces, além do formato definido e como é a relação da notícia sensível ao toque com o usuário contemporâneo. 5.1. Formatos de interfaces Interface é, como vimos anteriormente (capítulo 4), uma linguagem onde a distribuição do conteúdo ocorre visualmente. Trata-se de uma organização instrumental ou de mensagem encontrada em diversas partes, como um livro (onde a interface oferece informações através da combinação de letras e palavras), um relógio (que apresenta informação horária através de ponteiros, quando é analógico, ou de números, quando é digital), um painel do carro (que coloca ao alcance os comandos do veículo) e, entre outras interfaces, o computador, especialmente dispositivo móveis, objeto desse estudo. Mas a interface não é somente uma distribuição de instrumentos. Seria muito simplista pensar dessa maneira. Interface é um sistema comunicacional que, a partir de ideias de Rudolf Carnap (2003), pode ser obtida a partir de uma elaborada estrutura que explora recordações de semelhança. De acordo com Lev Manovich (2005), pode ser definida como a relação entre o usuário e os conteúdos interativos. Por fim, de acordo com Carlos Scolari (2004), pode ser definida por um eficiente ambiente que apoia seus processos de mensagem no conceito de estrutura semio-cognitivo, ou seja, semiótico simultaneamente a cognitivo. Trata-se de algo transparente, mas que sabemos que está presente, como o ar que respiramos. Não o vemos, mas sabemos que ele está entre nós, adentrando em nossos pulmões. A escolha do modelo de interface nesta pesquisa foi definida pelo que Scolari (2004) define como metáfora do espaço, ou o diálogo entre usuários “new new citizens” (LEVINSON, 2012) e do conteúdo digital. Esta é a principal característica da narrativa transmídia, onde a circulação de conteúdo para redes sociais (nesse caso, um diálogo fundamental entre os cidadãos) é responsável pela construção e reconstrução da informação. O mais importante para a escolha da interface ideal, especialmente pelo dispositivo de toque, é considerar a teoria apresentada por Marshall McLuhan (2005), que os equipamentos tecnológicos são uma extensão do corpo humano. A interface digital para dispositivos touch é uma extensão sensível e cognitivamente real. Entretanto, a preocupação nesse estudo foi descobrir como distribuir os objetos virtuais na tela para que o usuário pudesse navegar com procedimentos naturais, com uma transparência, mas perceptível, consciente. Para tanto, foram analisadas as propostas desenvolvidas por Carlos Scolari (2004), quem oferece de maneira muito clara as possibilidades de se construir ambientes informativos a partir de uma plataforma que assume a função fronteiriça entre o usuário e o conteúdo navegável, mas também temos que levar em consideração o que o autor denomina próteses invisíveis. Para o autor: A aplicação da metáfora da prótese às interfaces entre o homem e as máquinas digitais permitiu um especial enriquecimento teórico da metáfora instrumental, a qual terminou por recombinar-se com uma teoria protética dos objetos. Mas, o que é uma prótese? Uma prótese é um dispositivo que substitui um órgão ausente. (SCOLARI, 2004, p.61) Essa interface protética também pode ser um obstáculo. Segundo Don Norman (1989, p.210), quando nos preocupamos excessivamente com a interface, ela se transforma em “um obstáculo que se coloca entre a pessoa e o sistema em uso”. Para tanto, Alan Kay propõe uma relação entre a interface e as propostas de McLuhan. Para Kay (1989, p.192 apud SCOLARI, 2004, p.47): Quando li Understanding Media, de McLuhan, entendi que, nos meios de comunicação, a coisa mais importante é que a mensagem recebida é na realidade a mensagem recuperada; qualquer pessoa que deseja receber uma mensagem através de um meio deve antes incorpora-lo de maneira tal que o possa “subtrair” para deixar somente a mensagem. Quando disse “o meio é a mensagem” quer dizer que um deve transformar-se em um medium para poder utiliza-lo. Sobre o tema, Scolari (2004, p.65) propõe, baseado em McLuhan, que “o usuário deve transformar-se em parte da interface-meio”. Entretanto, devemos colocar em análise tanto a ideia de Kay como de Scolari com relação ao usuário contemporâneo ou mesmo à ideia de que o meio é a mensagem atualmente, pois o meio perdeu seu poder frente à mensagem. Agora, subtraímos o meio tanto na hora em que recebemos as mensagens como no momento em que produzimos as mensagens. Elas são autônomas, independentes e capazes de definir os meios a partir de si, ou seja, “a mensagem é o meio” na contemporaneidade comunicacional. Para justificar a escolha pela interface espacial como a mais competente para a proposta desta investigação, replico uma citação de Anceschi (1993, p.49) selecionada por Scolari (2004, p.70): A interface é o lugar da interação. Ou mais precisamente: é na Interface onde têm lugar as interações. O autor do dispositivo de interações e de sua interface é o urbanista deste lugar, o que o plasma e torna possível frequenta-lo. (...) O usuário é o visitante, ou melhor, o habitante que oferece sua própria finalidade e suas próprias energias, sua própria atividade. Porém, Scolari (2004) propõe que uma interface oferece uma visão parcial de um todo. Na realidade, uma interface que apresenta apenas uma visão parcial perde em resultados frente às interfaces que oferecem o conteúdo como um todo. O espaço deve ser aproveitado, ainda que deixas simbólicas possam ser adotadas. Se explorarmos o extracampo estamos usando uma estratégia semiótica na construção da interface, transformando-a em invisível, num momento em que a proposta adotada é a semio-cognitiva. 5.2. A mensagem na ponta do dedo Ter a noticia na ponta do dedo é algo que não podíamos imaginar há alguns anos. Nem mesmo Marshall McLuhan, com suas “premonições”, pensou nessa possibilidade. Sua proposta era de que os meios tecnológicos seriam extensão do nosso corpo (MCLUHAN, 2005), mas não cogitou que os conteúdos seriam oferecidos diretamente ao nosso corpo, ou seja, que colocaríamos as mãos nesses conteúdos, literalmente (ou quase literalmente). A tela táctil mudou não somente os processos de transmissão e oferta de dados, mas também a forma com que os usuários convivem com esses dados. Seu manuseio agora está alterado para uma nova sequencia algorítmica humana, onde os movimentos e as tarefas do corpo, e da mente, se distinguem das tradicionais. Uma mudança que ocorreu pela ultima vez com tamanha intensidade quando os humanos inventaram o papiro, revolucionando aquela que era base da comunicação naquele momento: a pintura em mural. Nesse momento, os seres humanos passaram a manusear a base comunicacional, podendo carrega-la, inclusive. Com a tela tátil, os usuários modificaram sua maneira de leitura do conteúdo, definitivamente com uma navegação horizontal. A barra de rolagem é um recurso pouco usado nestes espaços, até porque a velocidade na recepção de informações não permite essa fragilidade cognitiva. As mudanças de telas ocorrem de maneira lateral, e com as mãos, ou seja, o usuário põe a mão na massa, ou no conteúdo, abandonando o já tradicional clique graças aos processos de evolução que presenciamos nas duas últimas décadas. Essa mudança de tela em formato horizontal não significa somente um movimento que no audiovisual chama-se “horizontal transition”, onde as cenas são substituídas por outras de maneira lateral. Em realidade, a navegação horizontal é um conceito onde os conteúdos não possuem uma hierarquia e tal leitura segue os conceitos de Canavilhas (2006) sobre a pirâmide deitada. Porém, essa tendência já é reconhecida e adaptada pela aplicação de construção de páginas em HTML5 Adobe Muse, que oferece uma primeira construção do mapeamento de conteúdo em fluxogramas horizontais, assumindo neste sentido que a hierarquia de conteúdos é algo cada vez mais distante dos ambientes interativos, especialmente em espaços tácteis. Imagem 29: Distribuição de conteúdos horizontais por Adobe Muse Outro exemplo de leitura táctil horizontal é o portal de distribuição de notícias português Niiiws19, dedicado a dispositivos Apple (Iphone, Ipad e Ipod Touch). O espaço é um aplicativo distribuído em oito países (Portugal, Brasil, Irlanda, França, Rússia, Estados Unidos, Grã-Bretanha e Espanha). Em entrevista informal, realizada no mês de novembro (Covilhã, Portugal), o idealizador do projeto, Joao Lopes Martins, justificou esse tipo de leitura como uma preocupação com o usuário. Segundo ele, no começo do Niiiws as pessoas reclamavam da barra de rolagem e por isso realizaram as mudanças de arquitetura. Imagem 30: Portal de notícias Niiiws. 19 Disponível em http://www.niiiws.com ou na Apple Store. Acesso em 21/02/2015. Agora, com uma leitura horizontal, como os aplicativos da própria Apple, a acessibilidade encontrada é superior e a satisfação dos usuários pode ser confirmada pelo tempo de permanência no Niiiws por parte dos usuários. O desafio encontrado pelos gestores do Niiiws agora é a distribuição de conteúdos publicitários que não invadam os espaços de notícias nos processos de navegação. Para tanto, apostam numa reprodução do conceito de revistas impressas, ou seja, páginas inteiras que o usuário pode passar sem que afete o conteúdo oferecido pelo portal. Entretanto, essa possibilidade está em fase de testes e ainda não está aprovada pelos usuários ou por seus gestores. Outra preocupação com relação ao formato de interface para conteúdos tácteis, inclusive notícias, aborda a distribuição do conteúdo no campo visual. Pela rapidez e agilidade desse tipo de acesso, devemos nos preocupar em oferecer o conteúdo de maneira distribuída no campo visual, e não de maneira extracampo, como adotam os jornais eletrônicos com barra de rolagem e mesmo o cinema, que oferece informações semióticas extracampo, ou fora da cena. A distribuição no interior da tela, para conteúdos tácteis, deve ser composta por ícones e informações visuais de fácil acesso. É importante lembrar que, ainda que existam recursos como caneta para telas tácteis, normalmente se acessam os dados disponíveis com os dedos, o que devemos considerar para definir os tamanhos dos ícones. Um modelo de fácil compreensão é a interface conversacional proposta pela Apple, tanto na versão desktop como na versão para iPad, iPhone e Ipod Touch. Neste caso, os ícones, ainda que proporcionalmente parecidos e com praticamente o mesmo desenho, oferecem uma navegabilidade visual de fácil compreensão, assim como um ajuste ao tamanho da tela. Um modelo que pode direcionar a uma solução para navegabilidade em dispositivos tácteis é o adotado pela reportagem transmídia Radio Semillas- la voz de Iraca20, desenvolvida pelas jornalistas colombianas Silvia Ahumada e Diana Melo. A proposta, construída em HTML5 da plataforma Wix.com, apresenta ícones simples para uma navegação a partir de dispositivos móveis e não exige barra de rolagem para visualizar esse conteúdo, exceto em 20 Disponível em http://dianamarcelamelo.wix.com/radiosemillas. Acesso em 21/02/2015. algumas das páginas com um texto ou uma imagem mais abaixo do campo de visão principal. Imagem 31: Reportagem transmídia Radio Semillas – la voz de Iraca. Essa reportagem teve seu conteúdo totalmente produzido a partir de dois equipamentos iPad 2, desde a produção e edição dos vídeos e de áudios até os registros fotográficos, digitação dos textos e criação e um comic refletindo, de maneira bem humorada o cotidiano da comunidade que produz essa rádio comunitária no interior da Colômbia. Uma terceira preocupação refere-se aos quadrantes de leitura visual. Adotada frequentemente por publicitários na construção visual e por diretores de capas de jornais impressos, os quadrantes refletem os caminhos de leitura de nossos olhos ao observar de maneira dinâmica um espaço visual com informações diversas. Para tanto, são considerados quatro quadrantes, divididos por duas linhas imaginarias que se cruzam, uma no sentido vertical e outra no sentido horizontal (ver imagem 32). Os quadrantes são identificados por números 1, 2, 3 e 4. Nosso processo visual de leitura, nos países ocidentais, é da esquerda para a direita (o mesmo sentido da escrita). Com isso, nosso processo cognitivo se atenta mais aos quadrantes 1 e 4, deixando o 2 e o 3 como observação complementar, ainda que existente. Dessa maneira, devemos contemplar os quadrantes mais observados com as informações fundamentais, como o nome da página, o título ou o conteúdo mais relevantes. Também devemos oferecer uma leveza visual. Imagem 32: quadrantes de informação visual 5.3. Experimento sobre interface Com essas informações básicas, desenvolveu-se um conceito inicial de interface que contasse como linguagem principal o audiovisual e seu conteúdo em espaço multiplataforma oferecidos por ícones localizados no espaço visual (cf imagens, 33, 34 e 35). Para tanto, foi adotado o conceito de página principal composta por vídeos das reportagens oferecidas e um vídeo central onde uma jornalista apresentava o conteúdo geral. Imagem 33: Página principal da reportagem Imagem 34: Reportagem Imagem 35: Texto sobre a reportagem Entretanto, percebemos, com os resultados do questionário, que era necessária uma revisão dos conceitos adotados, assim como uma mudança referente aos recursos disponíveis e à distribuição dos conteúdos. Para tanto, foi eliminado esse projeto e criado um novo. De acordo com o questionário, a primeira questão apresentada, que tratou do tema navegação, “é possível navegar em tablets e smartphones com conteúdo nessa interface?”, apresentou um resultado otimista: 100% declararam sim. É evidente que a navegação foi possível pela página web ter sido construída em HTML5, tecnologia para navegação aceita em todos os dispositivos, pois deriva do HTML. Porém, essa informação foi importante para testar essa tecnologia em uma diversidade de participantes como essa. Entretanto, o resultado em si não é efetivamente relevante porque a possibilidade de navegação não justifica uma linguagem de interface em especial, e sim a tecnologia empregada. A segunda questão foi mais complexa: “A distribuição de conteúdos na tela foi eficiente?”. Esse questionamento foi complicado, pois eficiência é algo relativo. Mas a intenção da questão foi descobrir a percepção do usuário em sua navegação. O resultado obtido foi positivo, mas também apresentou percepções negativas. Para 78% dos participantes a navegação foi boa e para 22% dos participantes o processo não foi eficiente. Mas no total 46% acredita que a interface pode oferecer o conteúdo com um design mais simples e eficiente. Tal resultado justificou uma elaboração de nova interface a partir da primeira versão. A terceira questão apresentada abordou a navegação em conjunto com os conteúdos oferecidos pelas reportagens (vídeo, áudio, foto, infográfico, mapa e texto): “É eficiente e agradável a navegação e leitura com essa interface? O resultado foi positivo, com 90% de aprovação. A partir desse resultado também tornou-se necessário desenvolvimento de uma nova interface, ainda que tenha sido aprovada por uma maioria considerável. A quarta questão questionou o tamanho dos vídeos, ou seja, o enquadramento destes conteúdos. Para 64% o tamanho do enquadramento do material foi bom, ainda que para 36% os vídeos foram enquadrados de maneira muito pequena. Na realidade, essa resposta foi esperada. O tamanho das telas dos smartphones é algo que limita a visualização do conteúdo, e os vídeos foram produzidos para televisão, aproveitando-os para a experiência. Em realidade, esse aproveitamento foi proposital, pois esse questionamento era algo importante para futuras produções de conteúdos para micro telas. Como o vídeo apresentado era limitado, isso incomodou a uma parte dos participantes, possivelmente usuários de smartphones, e não de tablets. A quinta e última questão desse estudo apresentou como preocupação o tempo de navegação. Com a pergunta “qual tempo você considera viável para uma navegação como essa?” foi possível saber o limite do usuário na navegação por micro telas graças à sua incomodidade visual (cf questão 04). A questão apresentou cinco opções de respostas, para escolha de uma resposta única: mais de 30 minutos, 30 – 21 minutos, 20 – 11 minutos, 10 – 1 minuto, menos de 1 minuto. Na realidade, pelo resultado da primeira questão (100% de aprovação em navegação por micro telas) e da segunda questão (78% consideraram eficiente a proposta) seria injustificável receber como resposta de algum participante a última opção (menos de 1 minuto), ainda que fosse possível caso algum participante não tivesse realizando o experimento com o interesse necessário, e por isso tal questão foi apresentada. O resultado apresentado determinou que para 40% foi possível navegar por mais que 30 minutos, seguidos de 42% aprovando 30-21 minutos e 18% preferindo navegar por 20-11 minutos. Esse resultado foi, provavelmente, o mais relevante e otimista de todos, porque todos consideraram possível a navegação a partir dessa proposta, ainda que justifiquem ajustes e limitações na navegabilidade. Com o desenvolvimento das interfaces percebeu-se que em alguns casos o tamanho do conteúdo inviabiliza uma leitura direta. Entretanto, com a ampliação do conteúdo a partir de comandos tácteis nesses dispositivos tal problema pode ser desconsiderado, pois o tamanho oferecido é visível e viável. Também percebeu-se que a tarefa de oferecer conteúdos a partir da interface principal é condicionada a uma distribuição visual de qualidade e navegabilidade e também pelo apoio do vídeo de apresentação do conteúdo. Isso se justifica pela importância da eCommunication (ORIHUELA, 2004) e pelo poder do audiovisual nos processos comunicacionais, como defende e justifica Ricardo Bedoya e Isaac Leon Frias (2003). A adoção do vídeo como base da interface é fortalecida pela força da linguagem audiovisual nos processos comunicacionais (mas não exclusivo, pois o cinema é considerado a sétima arte por seu poder de persuasão e convencimento). Tal conteúdo provoca dinamismo e uma sensação de diálogo entre o usuário e o conteúdo na apresentação das notícias disponíveis e também aproveita de maneira substancial os recursos tecnológicos oferecidos atualmente, como a tela de retina presente nos dispositivos móveis atuais. Essa tecnologia permite uma melhor definição da imagem, e que deve ser aproveitada pela interface e por seu conteúdo. A interface principal desenvolvida após o experimento levou em consideração as conclusões da primeira parte, mas também ofereceu novidades com relação à proposta. Ainda que tenha apresentado um vídeo como base da comunicação pela força do audiovisual no processo comunicacional, a interface apresenta outras características cognitivas em sua composição, além de cores simples e um recurso oferecido pelo Thinglink. Para tanto, foi desenvolvida uma imagem de fundo que apresentou caminhos para a navegação a partir de conceitos visuais adotados no mapa do metrô de Madri, com cores diferentes para os caminhos e linhas retas para mostrar as direções a seguir. Tal ideia surgiu a partir de uma apresentação realizada por Lorenzo Vilches durante congresso em Málaga, Espanha, em 2012. Na ocasião, Vilches, chileno radicado em Barcelona, apresentou as etapas de sua investigação a partir de um fluxograma com figuras interligadas como se fosse o mapa do metrô da cidade, o que facilitou a visualização dos processos da investigação. Outro conceito adotado foi a oferta de link para as reportagens a partir de uma imagem em escala reduzida da página em questão, e ao passar sobre a imagem abria-se uma caixa de texto com um lide21 da matéria. Dessa maneira, o usuário tem a condição de conhecer novas informações além da escalada22 apresentada pelo vídeo exibido no centro da página. Imagem 36: mapa do metrô de Madri. Com esse conceito visual, a partir de um fundo branco, a interface principal do experimento ofereceu uma leveza ao mesmo tempo em que provocou uma recordação de semelhança relacionada à identificação de 21 Lide é um resumo da matéria que contém as principais informações do acontecimento. A construção do lide se dá a partir de respostas às seis perguntas básicas do jornalismo: o que, quem, quando, como, onde e por que. 22 Escalada é o termo adotado pelo telejornalismo brasileiro para definir o momento em que o jornalista apresenta os conteúdos das principais notícias do telejornal. A escalada ocorre na abertura do telejornal. caminhos ágeis e rápidos para os destinos esperados. Essa é a característica do metrô, e essa comunicação é semelhante em mapas de outros metrôs de importantes cidades do mundo, como Nova Iorque, São Paulo, Tóquio, Londres, Paris ou Cidade do México, cada um com a sua densidade de caminhos, mas com o mesmo conceito visual. Na interface proposta, a oferta das redes sociais logo acima proporcionou uma fácil visualização destes espaços, o que facilitou a escolha por estes caminhos, fator fundamental numa comunicação transmídia. Junto a essa informação, no lado esquerdo superior da tela (de maneira discreta), no primeiro quadrante, foi apresentado o nome do experimento, e no topo do segundo quadrante links para as páginas internas do experimento, com informações relacionadas aos participantes e aos apoios, além de um resumo do estudo para fins de esclarecimentos futuros. O fundo branco apresentou uma leveza visual defendida por diversos estudiosos e profissionais do design como a cor mais sofisticada que existe, especialmente por sua neutralidade estética. A escalada apresentada no centro da interface fortalece o conceito do poder do vídeo na comunicação. Entretanto, um conteúdo audiovisual apresentado de maneira isolada não consegue obter o mesmo resultado cognitivo na transmissão de notícias com diversidade de linguagens, ainda que o mesmo ofereça outros recursos, e por isso na televisão é comum presenciar conteúdos intertextuais (KINDER, 1991). Além disso, a proposta multiplataforma tem sua justificativa apoiada em palavras do teórico Bill Nichols (1997, p.33), estudioso sobre documentários. Para o autor, “as imagens podem fascinar, mas também distraem. A força produtiva e interpretativa reside nas palavras”. Por essa razão, além de ser uma base fundamental na construção da narrativa transmídia, a multiplataforma é fundamental nesta proposta, especialmente no que diz respeito á construção da interface, por se tratar do principal vínculo entre o usuário e o conteúdo. A apresentação do conteúdo pelo jornalista através de um vídeo amplia a relação cognitiva com o usuário, que é convidado a navegar pelos ícones apresentados na interface. Porém, é importante levar em consideração métodos propostos para a elaboração dessas interfaces, pois a fronteira entre uma interface eficaz e um embaralhado de informações é tênue e, em alguns casos, imperceptível 5.4. Métodos de produção Com o desenvolvimento do experimento, alguns pontos sobre interface foram descobertos e/ou confirmados. O primeiro ponto – a utilização da tecnologia móvel – foi confirmado e aprovado ao final deste estudo. Ainda que ofereça limitações, pode-se defender que ao final as vantagens superam os problemas obtidos com a opção por esse tipo de tecnologia, seja no âmbito do preço do equipamento, seja na praticidade ou mesmo na qualidade final. Para compreendermos os métodos de exibição indicados à produção de documentários transmídia é fundamental entender que toda produção audiovisual passa por três etapas, basicamente: pré-produção, produção e pósprodução. A existência das três etapas são fundamentalmente essenciais no documentário transmídia, inclusive mais essenciais que numa produção audiovisual convencional. Na etapa de pré-produção, tornou-se claro que o papel do argumento ganha potencial importância, pois nesse momento será constada a viabilidade de uma produção transmídia frente ao conteúdo que poderá ser extraído da proposta. Para tanto, algumas perguntas devem ser respondidas antes de finalizar o argumento: - O tema oferece conteúdo multiplataforma? - Estes conteúdos podem ser separados e “consumidos” (TOFLER, 1980) de maneira independente? - É possível oferecer uma maioria deste conteúdo em plataforma acessada on demand? A partir destas perguntas, desenvolve-se o argumento, considerado o primeiro passo, e um dos mais importantes, no processo de produção de uma obra audiovisual. Porém, o argumento é um deles. Em seguida, deve-se pensar no roteiro, que neste caso deve seguir a proposta de fluxograma circular rizomática (RENÓ, 2011), onde a visualização dos conteúdos pode oferecer melhor análise de navegação entre os mesmos, assim como sua independência tanto na leitura como na ordenação. Em outras palavras, o conteúdo deve permitir ao usuário decidir se consome e quando consome tal fragmento da narrativa. A partir do desenvolvimento do roteiro, faz-se o agendamento das etapas de produção, não somente das imagens, mas também de outros tipos de conteúdo oferecidos pelo documentário transmídia. A produção é uma segunda etapa fundamental no campo do audiovisual, e o documentário transmídia segue essa mesma condição. Entretanto, quando se produz a partir de dispositivos móveis, outros cuidados devem ser tomados, especialmente no que diz respeito à capacidade de captação de luz destes dispositivos, assim como uma limitação de captação de áudio. Outro tema fundamental refere-se à estética a ser adotada. Para tanto, deve-se considerar que uma imagem aproximada (close up ou zoom in) deve ser obtida pela aproximação ou movimentação física da câmera, não dependendo de recursos digitais, já que o dispositivo possui qualidade limitada para isso. Também devese considerar a leveza do equipamento, o que provoca certo desequilíbrio do mesmo. Por essa razão, quando a proposta é contemplada por câmera estática, é fundamental adotar o uso do tripé. Imagem 37: Produção de documentários a partir de dispositivos móveis. A partir da produção das imagens, com o devido cuidado com o espaço na memória dos equipamentos, inicia-se a pós-produção com a decupagem do material. No caso do documentário transmídia, a decupagem é ainda mais importante, pois oferece a possibilidade de conhecer o conteúdo captado e, a partir dele, pensar em uma construção multiplataforma. Neste momento, também é fundamental pensar na interface a ser adotada, de modo que contemple todo o conteúdo definido no roteiro rizomático. Para isso, é proposto um método, não único, mas uma possibilidade, pois parte das características dos processos transmídia é a liberdade. Para tanto, foram considerados os resultados práticos e sua composição com os conceitos teóricos estudados e selecionados a partir das poucas referências existentes para explicar/compreender a relação entre interface, conteúdo e usuário em outros âmbitos que ultrapassam o cenário de ambientes tácteis. Para elaborar uma interface é fundamental levar em conta algumas informações que servem de orientação: - Audiência da obra; - Distribuição do conteúdo por hierarquia de interesse; - Recordações de semelhança; - Estrutura de apresentação; - Processo semio-cognitivo; - Diálogo por redes sociais; - Possibilidades tecnológicas. O primeiro quesito, audiência da obra, refere-se ao público esperado para a leitura da publicação. A partir dessa definição é possível construir os parâmetros estéticos que interessam ao público em questão. Por exemplo, se a obra é direcionada a jovens de 15 a 18 anos deve-se buscar ícones e uma linguagem de cores e formas que sejam apropriados ao grupo. Esse fator é fundamental, pois pode proporcionar uma mais expressiva atração visual dos usuários em um primeiro momento da comunicação. Além disso, seleciona os usuários e mantém a atenção dos mesmos de maneira constante, pois o espaço virtual no qual eles “ingressaram" é adequado. O segundo tópico, também fundamental para a definição de parâmetros iniciais, distribuição das notícias por hierarquia de interesse, deve ser realizado no momento da concepção do documentário. Para tanto, é fundamental visualizar o conteúdo a partir da construção de um fluxograma que apresente conteúdos de acordo com os quadrantes de leitura e a própria interface em si. Para tanto, deve-se considerar que o primeiro e o quarto quadrantes recebem uma maior atenção do usuário por se tratar de uma leitura ocidental. Caso o leitor seja oriental ou árabe, onde os caminhos de leitura seguem outro fluxo, é importante inverter e/ou adaptar esse fluxograma. Para tanto, propomos que seja considerado o primeiro quadrante como o espaço do mais importante e o quarto quadrante como o espaço para propor o desfecho do conteúdo com algo ameno, ainda que igualmente interessante. O modelo da construção do conteúdo de acordo com a hierarquia por quadrantes é apresentado da seguinte maneira: Imagem 38: Modelo de interface com estudo de quadrante. O terceiro ponto que devemos levar em consideração na construção de uma interface é o que nos faz sentir uma identidade com o espaço ou o contexto do conteúdo. Para tanto, devemos lançar mão ao que Carnap (2003) nos propõe – recordações de semelhança. Segundo essa ideia, adaptada ao ambiente de produção de interfaces, é importante buscar informações que nos ofereçam uma sensação de que “já estivemos naquele lugar”, ou que “já saboreamos tais informações”. Isso pode ser obtido através de uma definição de ícones fundamentais, como, por exemplo, a reportagem 04, que apresenta desenhos astecas e uma diversidade de cores, ou como acontece na reportagem 03, onde o fundo negro e uma distribuição clean dos conteúdos nos remete ao mundo da tatuagem e das transformações físicas. Por fim, podemos sentir essas recordações de semelhança na interface da reportagem 01, onde, além de um semáforo, há uma faixa de pedestre para que tenhamos a sensação do espaço onde estamos “entrando”, ou seja, sobre o tema que será abordado no documentário. Tais conceitos vão contra algumas definições estéticas, que propõem uma série de cores e formas ideais para ambientes específicos. Definitivamente, tudo isso depende da recordação que queremos proporcionar. Parece algo sem importância, mas a preocupação com a “estrutura da apresentação” do conteúdo é fundamental na obtenção de bons resultados a partir da interface. Para tanto, é fundamental definir onde colocar os botões de acesso aos diversos conteúdos disponíveis na plataforma. Isso se define a partir da importância de cada conteúdo na construção da narrativa, assim como se faz na distribuição das notícias por hierarquia de interesse. A diferença é que tal definição se faz dentro do documentário, e não em um conceito amplo entre reportagens. Ainda que não seja possível obrigar a leitura de todos os conteúdos por parte dos usuários (e nem recomendável), é possível fortalecer a leitura de seus conteúdos. Para tanto, é importante definir uma sequência lógica de distribuição de seu conteúdo a partir de uma possível leitura. Como define Lev Manovich (2005), para construirmos uma estrutura navegável é fundamental que tenhamos em mente a estrutura mental de quem lê, ou seja, devemos pensar como pensariam os usuários, neste caso na escolha de uma sequência de conteúdos para o processo de consumo da informação. Apesar de ser um dos últimos na construção de fatores fundamentais para a definição de uma interface eficaz, levar em consideração o processo semio-cognitivo é tão importante quanto os outros fatores. Ele deve ser avaliado ao final porque antes seria inviável pela ordem dos momentos da construção. Para que seja avaliado o processo semio-cognitivo é importante ter condições de visualizar o conteúdo como um todo. Dessa maneira, é possível perceber se há processos de informação imperceptíveis, mas que ao mesmo tempo sejam recebidos com ciência por parte do usuário. Como apresentado anteriormente, uma interface semio-cognitiva oferece uma relação entre o conteúdo e o usuário semelhante à relação entre o ser humano e o oxigênio: não pode ser visto, mas sabe-se que ele está no ar. Essa proposta de interface possibilita, segundo Scolari (2004), uma eficaz construção comunicacional entre esses dois “corpos comunicacionais”: o usuário e o conteúdo. Ainda que seja um processo subjetivo de análise, pois leva em consideração a relação do construtor da interface com seu produto final, pode possibilitar resultados confiáveis se o autor busca uma sinceridade crítica em sua avaliação. Por fim, para construir um documentário com interface eficaz e que possa alcançar seus objetivos cognitivos, é importante levar em consideração as reais possibilidades tecnológicas existentes. Ainda que pareça desnecessário e ao mesmo tempo incoerente apresentar tal importância em um estudo que tem como principio a construção da comunicação a partir da narrativa, e não da tecnologia, é fundamental considerar o que se pode e o que não se pode fazer com a tecnologia disponível. Afinal, ainda que a linguagem seja o fator mais importante em níveis hierárquicos, a tecnologia é a que possibilita o consumo dessa linguagem pelos dispositivos móveis. Dessa maneira, torna-se fundamental abandonar a tecnologia Flash, já que uma importante parcela dos dispositivos utilizados para consumir esse conteúdo não é compatível com essa linguagem de programação. Tal abandono também é justificado pela instabilidade de programação e o demorado peso dos arquivos disponibilizados em construções por tecnologia Flash. Com esses parâmetros, percebe-se que é viável desenvolver interfaces interativas para o consumo de notícias a partir de dispositivos tácteis e, assim, alimentar uma tendência crescente na esfera da comunicação. Uma tendência apresentada de maneira eficaz por Levinson (2012) e fortalecida por outros autores contemporâneos, como Aguado (2013) e Scolari (2013). O segundo procedimento fundamental é a finalização e a montagem do conteúdo. Na finalização, pode-se utilizar tanto os equipamentos móveis como computadores. Neste estudo, utilizou-se dos dois dispositivos, ainda que a preferencia seja destacadamente o computador. Entretanto, é possível produzir conteúdos de extrema qualidade quando adotados dispositivos móveis para estes momentos também, como ocorreu na produção do documentário Galegoportuguês (2013). 5.5. Um novo documentário No processo final do estudo, foram desenvolvidos dois documentários transmídia com a utilização de iPod Touch a partir dos conceitos aqui apontados, O primeiro documentário produzido, Rolling Stones in my life 23 (2015), apresenta a relação de fãs com a banda cinquentenária. Para tanto, foram ouvidos admiradores dos Rolling Stones e músicos dedicados a reproduzir as composições dos roqueiros ingleses. Porém, o mais importante sobre o documentário foi a experimentação de se produzir no formato transmídia a partir de dispositivos móveis – no caso deste estudo, iPod e tablet. Com um roteiro originalmente escrito para uma obra linear, o documentário foi adaptado para o formato multiplataforma visualmente navegável produzido em Wix, numa conta gratuita. Entretanto, a primeira dificuldade foi a de conviver com as limitações tecnológicas do dispositivo móvel para a captação de imagens em ambientes fechados e com luz artificial, frequentes no vídeo. Outra dificuldade foi a obtenção de fotografias dos Rolling Stones para colocar na fototeca, assim como fãs que quisessem produzir conteúdos a respeito para enviar ao campo de contribuições presente na página. Com a adaptação do roteiro, começaram as produções da obra. Para isso, o ponto de partida foi a construção de uma rede de comunicação no Facebook, onde foram descobertos diversos fãs que poderiam servir de fonte. A partir disso, foram agendadas as gravações com os participantes. Simultaneamente, foi produzido um texto sobre a temática do documentário. A produção contou com a participação direta do estudante de Jornalismo João Victor Belline, bolsista do projeto de pesquisa, que aprendeu a construir roteiro, operar o iPod e editar tanto a página Wix como o vídeo no programa de edição Adobe Premiere, instalado em um computador do projeto. O estudante também sugeriu diversas estratégias de construção de rede de contatos e propôs que um dos conteúdos oferecidos deveria ser externo ao projeto (com o comando target=blank, para proporcionar a abertura de uma nova página e evitar o abandono da mesma), direcionado a uma página de cifras musicais sobre a banda. A interface criada foi simples e seguiu cores relacionadas à banda e ao rock (vermelho, preto, branco, cf. Imagem 39). Porém, decidiu-se fugir da boca, símbolo clichê da banda. 23 Disponível em http://mobilabresearch.wix.com/stonesinmylife. Acessado em 10/03/2015. Imagem 39: Interface documentário Rolling Stones in my life (2015). A produção encontrou uma dificuldade expressiva, mas solucionou-se com a prática: a firmeza na operação do iPod, por sua leveza. Entretanto, outros problemas previstos não foram registrados, como a falta de iluminação na gravação, já que tais dispositivos possuem excelente qualidade de captação de luz para evitar exatamente problemas desta natureza. A construção do site foi simples, tendo em vista as possibilidades que o Wix oferece. Porém, a montagem da página foi realizada em um computador convencional, já que tal atividade seria praticamente impossível em um tablet e totalmente impossível em um iPod, graças à tecnologia oferecida. A página é responsiva e pode ser acessada a partir de qualquer dispositivo móvel. Imagem 40: Interface responsiva acessada desde um iPhone. Para o documentário, foram pensadas em páginas diversas que oferecessem conteúdos navegáveis independentes entre si, mas relacionados, como deve ser uma narrativa transmídia (RENÓ e FLORES, 2012). Para isso, foram selecionados e/ou produzidos esses conteúdos de acordo com a linguagem proposta e o público de interesse. Isso é fundamental porque um dos pontos a ser considerado na construção da interface (cf capítulo 5.2) é a audiência da obra. A interface, ainda que esteja apoiada ao modelo de visualização navegável, também oferece características semelhantes ao modelo arbóreo, proposto por Manovich (2005) e também uma diversidade de conteúdos encontrada em páginas web convencionais. Dessa maneira, o documentário pode ser navegado de maneira simples e ao mesmo tempo completa. Imagem 41: Interfaces simples do Rolling Stones in my life (2015). Outra importante iniciativa do projeto foi a criação de contas em meios sociais, especialmente o Facebook, popular no momento de execução da pesquisa. Para tanto, buscou-se manter uma identidade visual com o projeto, ainda que de maneira independente. A audiência da página proporcionou uma crescente acessibilidade à página principal do documentário. Imagem 42: Página do documentário Rolling Stones in my life (2015) no Facebook. Com os resultados alcançados, percebeu-se a real possibilidade de se produzir obras documentais em espaços multiplataforma com o uso de dispositivos móveis. Entretanto, a experiência era pequena e exigia um desafio maior. Para tanto, foi desenvolvido o projeto do documentário transmídia sobre o Centrinho, hospital da Universidade de São Paulo localizado em Bauru – SP e dedicado ao tratamento de diversas patologias relacionadas às anomalias craniofaciais, considerado uma referência internacional no tema, quando foram contatados representantes do hospital e o projeto foi apresentado. Intitulado Centrinho – autonomia para a vida24, o documentário teve um espaço construído no Wix, também em plataforma e pacote gratuitos, além de responsivos. A escolha do tema justificou-se pelo interesse em buscar uma nova linguagem, um novo conteúdo (menos vanguardista, jovial) para a experimentação não somente da técnica, mas também da linguagem transmídia em sua confecção. Com a aprovação, começou-se a construção do roteiro rizomático para, em seguida, pensar-se no resto do conteúdo. Para a captação das imagens, adotou-se o sistema de duas câmeras, sendo uma fixa em um tripé e outra móvel, acompanhando a dinâmica das 24 Disponível em http://www.mobilabresearch.wix.com/centrinho. Acessado em 10/05/2015. entrevistas. Também utilizou-se a tecnologia Time Lapse25 para um efeito inicial do vídeo. A interface fundamentou-se num conceito leve, com as cores branca e azul, encontradas na logomarca do hospital, e adotou-se o vídeo como linguagem principal, logo na primeira página, com XXX minutos de duração e produzido com enquadramentos fechados. Isso é justificado por estudos anteriores, especialmente sobre Jornalismo Transmídia (RENÓ e FLORES, 2012), quando conteúdos jornalísticos audiovisuais foram produzidos por dispositivos móveis durante 12 meses, sendo estudados em seguida. Imagem 43: Interface do documentário Centrinho – autonomia para a vida 2015). A preocupação com a construção de um conteúdo próprio é fundamental quando se pensa em um documentário transmídia. Porém, mais importante que uma produção completamente autoral é um conteúdo correto, e por isso foram criados links para a página oficial do hospital, pois assim seriam respeitadas e garantidas as informações científicas ali presentes. Os links saíram diretamente da página principal, direcionando a leitura ao endereço oficial do Centrinho (com o comando target=blank, possibilitando o retorno à página principal). O mesmo se repetiu com links diretos à página principal e às publicações realizadas pelo hospital. 25 Time lapse é o efeito obtido através da aceleração intensa de imagens captadas. Imagem 44: Página oficial do Centrinho. Considerou-se fundamental a criação de uma página de serviços, já que o documentário tinha esse fim desde sua concepção. Para tanto, montou-se uma página com o auxílio do aplicativo Google Maps, tendo como endereço referência o Centrinho. Ao lado do mapa, apresentou-se uma relação de telefones para contato, fortalecendo a condição de serviços da página. Seguramente, essa página terá uma função fundamental na existência da obra, não somente no campo do conteúdo, mas também na participação e navegação. Imagem 45: Aplicativo Google Maps na página do documentário. Por fim, construiu-se uma página explicando o processo de surgimento do projeto, explicando a parceria existente entre as duas instituições de ensino na produção do documentário. Dessa maneira, também foi possível agradecer aos envolvidos nos bastidores da obra, assim como definir os objetivos que acompanharam a produção desde o princípio. Imagem 46: Página com informações sobre o projeto. Com essa obra, percebe-se uma diversidade do documentário transmídia no que diz respeito à justificativa de existência. Um documentário transmídia, com maior potencial que o documentário convencional, pode assumir o status de formador de conhecimento, de prestador de serviços, e não simplesmente o de entretenimento. Obviamente, algumas dificuldades estiveram presentes na produção, especialmente no que diz respeito à concepção dos projetos. Entretanto, todas elas foram superadas e os resultados obtidos atendem ao esperado no princípio do desafio. Conclusões Ainda que este estudo ofereça um modelo de interface interativa para conteúdos jornalísticos com linguagem transmídia para dispositivos móveis, tal estudo sofrerá em poucos anos uma necessidade de mudanças. Entretanto, nos pontos conceituais, como a definição de interface e a proposta apresentada, que leva em consideração alguns conceitos desenvolvidos por teóricos de diversos campos, como Carnap, Scolari e Manovich, não sofrerão com o poder do tempo. Tais conceitos servem de parâmetros para a construção e a interpretação do que vem a ser interface e qual o seu papel nos processos comunicacionais mediados. Outro ponto que seguramente não sofrerá mudanças com o passar do tempo é o esclarecimento com relação às diferenças entre a estratégia cross-media e a narrativa transmídia, comum no campo da comunicação, ainda que equivocada. Interface é, seguramente, a alma dos processos comunicacionais mediados, seja por ambientes digitais, seja por ambientes físicos. A relação existente entre o conteúdo e o usuário é obtida a partir da interface e de seu papel no processo comunicacional. Um livro só alcança o seu papel (o de passar conhecimento ao leitor) graças à interface existente. Uma interface desenvolvida há séculos, mas que segue com uma sequência de letras combinadas para a formação de palavras, por sua vez combinadas na construção de frases, parágrafos e o conteúdo em si. Da mesma maneira, a proposta apresentada não sofrerá mudanças conceituais com o passar do tempo. Esse estudo chegou a diversas conclusões, fundamentais para se pensar na construção de processos mediados, neste caso por dispositivos móveis e de telas tácteis. Percebeu-se que o poder do táctil é mais forte do que se imaginava antes da investigação. O ato de “colocar as mãos no conteúdo” tem seu poder cognitivo expressivo, capaz de envolver o usuário e de oferecer a ele a sensação táctil, a experiência material à qual estamos acostumados. No campo do documentário, ainda que seja apenas um primeiro estudo na tentativa de definir alguns modelos de produção de documentários transmídia, esta investigação não possui uma conclusão definitiva, e nem tem essa pretensão. A intenção ao definir alguns modelos é somente para exemplificar como podem ser justificados tais modelos em futuras produções. A falta de definição de formatos é uma máxima quando se pensa em narrativa transmídia. Afinal, a criatividade é uma marca nesta linguagem. .Além disso, o gênero documentário é uma obra artística, ou seja, não há como definir formatos limitados de produção. Considero que essas definições de modelos podem auxiliar a compreender que um documentário transmídia não exige uma circulação exclusivamente por ambientes digitais, pois trata-se de uma linguagem, uma maneira de contar a história. Exemplo disso é o documentário Morreu o Demo, acabouse a peseta, que pretende finalizar a série de extensões narrativas com “textos” em ambientes digitais. Entretanto, todos os outros fragmentos oferecidos pela obra estão em plataforma analógica, como livro, DVD (ainda que seja registrada de forma digital, essa plataforma é considerada neste texto como analógica por materializar-se em um disco). Outra consideração refere-se às limitações de interface e de narrativas existentes na obra Calles perdidas, que oferece uma estrutura definida como multimídia pelo próprio autor, mas que ao final de sua estrutura revelam uma narrativa transmídia que contempla conteúdos jornalísticos em sua navegação. Ainda que faltem links para redes sociais, essa produção (desenvolvida também em caráter experimental) aproxima-se do ideal transmídia. Por fim, dentro dos parâmetros compreendidos para a narrativa transmídia, considero que o ideal em modelo navegável e expansível para a construção de um discurso documental é proposto pela obra Galego-português, ainda que a plataforma apresente problemas tecnológicos por se tratar de aplicativos em modalidade gratuita. Um exemplo interessante a ser seguido é o documentário Hollow, que pode modificar os horizontes do documentário transmídia. Ele materializa todos os conceitos já definidos por pesquisadores sobre o tema, fazendo com que essas ideias sejam testadas e, neste caso, aprovadas com êxito. A narrativa possui uma navegação suave do começo ao final e a busca por novidades dentro da tela (navegação no interior da cena) é uma provocação constante, ainda que sutil. A verdade foi revelada durante toda a obra, proporcionando ao usuário conclusões reais sobre os temas abordados. Ao mesmo tempo, a narrativa oferece traços de gamificação em sua navegação, tornando a experiência lúdica e não-linear. Isso é o que Manovich (2005) indica como fundamental para um processo interativo. Tal proposta também é apresentada por Lorenzo Vilches (2003), para quem a migração digital deve ser acompanhada de processos participativos. Um valor destacado do documentário é a qualidade estética. Ainda que o mesmo tenha sido produzido por uma equipe reduzida, a qualidade artística apresentada é elevada. Além disso, a mistura e a diversidade de conteúdos complementares, mas independentes, merece comentário. As transições e os movimentos internos realizados a partir de camadas com fotografias recortadas proporciona à obra um dinamismo muito além do que poderia obter-se com a exclusiva adoção de imagens em movimento. Essa movimentação sai da normalidade, o que provoca atenção do usuário no momento em que assiste à obra. Algo novo também apresentado no documentário foi o convite à leitura externa, a partir de hashtags sobre a forte tempestade. Ainda que fosse um acontecimento antigo, esse convite pode ter gerado interesse em alguns usuários do documentário. Constatou-se, na pesquisa, que tal navegação é possível e interessante. Uma inovação apresentado pelo documentário Hollow foi o convite à participação concreta do usuário na construção da história. Esse processo construtivo não se limita à definição do roteiro de leitura (RENÓ, 2011), e sim à construção de um conteúdo a partir da retroalimentação. Trata-se de um produto do género documentário efetivamente participante da nova ecologia dos meios, onde o “new new citizen” (LEVINSON, 2012) busca uma participação constante nos processos midiáticos. Por fim, devemos observar o valor do documentário pela construção do roteiro. Lev Manovich (2013; 2005) aponta para a importância em definir algoritmos de navegação em obras interativas, e percebemos a existência de funções algorítmicas na obra. Vale ressaltar que algoritmo (RENÓ, 2011) é um conjunto de atividades finitas e ou infinitas criadas para realizar uma tarefa, não limitadas a comandos binários, ainda que em Hollow percebemos vários comandos existentes. Sobre essas atividades pré-definidas no roteiro, Vicente Gosciola (2008) compartilha com Denis Renó (2011) ao afirmar que tal planejamento é fundamental para que a produção tenha êxito. Esse plano de navegação deve ser desenvolvido da melhor maneira possível, preferencialmente visualizável por fluxogramas (RENÓ, 2011). Hollow é uma contribuição importante não somente para o documentário em si, mas também para a produção de conteúdos construídos para narrativas de realidade apoiados ao transmedia storytelling. Esse tipo de construção narrativa é criticado por correntes conservadoras da comunicação, pois questiona-se o fim da autoria. Para tanto, Renó (2011) aponta para a existência de uma nova relação entre autor e público: a coautoria. Entre os experimentos desenvolvidos, percebo que ainda existe uma certa dificuldade tecnológica para a formatação dos mesmos. Entretanto, esse problema está cada vez mais despercebidos, tendo em vista as possibilidades existentes. O mesmo ocorre no campo da produção a partir de dispositivos móveis. Os dispositivos adotados na produção dos experimentos (iPod Touch) demonstraram qualidade tecnológica e vantajosa mobilidade, especialmente quando produzidas imagens em situações invasivas, como no documentário Centrinho – autonomia para a vida. Já no documentário Rolling Stones in my life, o que tornou-se visível foi a facilidade em se produzir mesmo em ambientes com pouca iluminação, fator fundamental para um bom resultado audiovisual. Também pode-se destacar o surgimento de uma cultura sobre documentários transmídia na instituição onde a pesquisa foi desenvolvida, não somente entre os docentes (como resultado da repercussão sobre o estudo), mas também entre os estudantes, que passaram a experimentar o formato em suas atividades relacionadas ao curso e também compreenderam a movimentação que se amplia no campo midiático, especialmente no que diz respeito à construção de espaços participativos e expansíveis. Com isso, podemos considerar que os resultados fundamentais referentes à pesquisa foram amplamente alcançados, e de maneira exitosa. Porém, o fundamental nessa conclusão é entender que o documentário transmídia, assim como obras do gênero documentário por linguagem tradicional, não consegue ajustar-se a um único modelo, como justifica Bill Nichols (1997). A mescla entre linguagens e formatos é uma marca do documentário, segundo o autor, e se justifica pela liberdade da criação artística. Dessa maneira, convido novos pesquisadores e produtores a arriscarem nessa realidade que está apenas começando e que tem muito a expandir no campo da produção audiovisual que oferece ao expectador discursos navegáveis de realidade. Referências bibliográficas AARSHET, Espen. Cybertext: perspectives on ergodic lliteracture. Baltimore: John Hopkins University Press, 1997. AGUADO, Juan Miguel. La indústria de contenido en la era post-PC: horizontes, amenazas y oportunidades. In CANAVILHAS, João (Org.). 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