Reino Unido vai continuar a precisar dos portugueses que lá trabalham

É o quinto país da Europa onde residem mais portugueses e pela sua "formação de qualidade" continuarão a ser precisos, destacam responsáveis de Ordens profissionais

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Entre os enfermeiros os portugueses são a segunda maior comunidade estrangeira Nuno Ferreira Santos

Números por baixo: 5000 enfermeiros, 600 engenheiros, mais de mil investigadores. Estes são alguns dados da presença portuguesa no Reino Unido fornecidos ao PÚBLICO pelas respectivas Ordens profissionais e pela Portuguese Association of Researchers and Students in UK (PARSUK).

No total, em Maio passado, estavam registados nos consulados de Portugal no Reino Unido 210.124 portugueses, informou a Secretaria de Estado das Comunidades, que no entanto “estima que a comunidade tenha crescido substancialmente dado que o número de portugueses inscritos na Segurança Social britânica, em Dezembro de 20154, somou 234.850”. Entre 2013 e 2016, o número de inscritos nos consulados do Reino Unido aumentou 22,3%. É quinto país da Europa onde residem mais portugueses.

O que se espera que lhes aconteça quando se concretizar a saída do Reino Unido da União Europeia? O PÚBLICO ouviu representantes de alguns dos grupos profissionais que mais têm procurado trabalho naquele país. Ressalva comum a todos: ainda é cedo demais para se saber quais os impactos desta deserção. “Por agora sobram as incógnitas”, frisa Pedro Antas da PARSUK.

Comecemos então pelos enfermeiros e pela sua bastonária, Ana Rita Cavaco. Os registos oficiais dão conta de que, nos últimos cinco anos saíram mais de cinco mil enfermeiros para o Reino Unido, que continua a realizar acções de recrutamento periódicas em Portugal. Mas esta é uma avaliação por baixo, confirma Ana Rita Cavaco, que dá mais dois exemplos: só este mês centenas destes profissionais partiram para aquele país; e metade dos que estão agora a terminar os cursos de enfermagem no ensino público têm já emprego garantido no Reino Unido. Serão cerca de mil.

“O impacto maior da saída será para o próprio Reino Unido, que tem muitos hospitais assentes na força de trabalho dos enfermeiros portugueses. Eles é que têm de ver como irão resolver o problema”, afirma Ana Rita Cavaco, acrescentando que muitos destes profissionais estão na área de investigação e ocupam também actualmente cargos de chefia e de gestão hospitalar. “É uma das maiores comunidades estrangeiras nesta profissão”, frisa. Segundo os dados divulgados ao PÚBLICO pela secretaria de Estado das Comunidades, os portugueses são a segunda comunidade estrangeira entre os enfermeiros que estão a trabalhar no Reino Unido. Os espanhóis são os primeiros.  

A bastonária da Ordem dos Enfermeiros destaca um traço que é também apontado por engenheiros, médicos e profissionais do turismo: a qualidade da formação que receberam em Portugal e que faz como que estejam entre os mais requeridos pelo estrangeiro.

“O fluxo vai manter-se, talvez com uma maior carga burocrática, porque o Reino Unido continua a precisar de médicos”, afirma o bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva. Apesar de não saber exactamente quantos clínicos estão a trabalhar naquele país, frisa que é “um número significativo, nomeadamente na área da medicina geral e familiar”.

Propinas a subir

Também Mineiro Aires, bastonário da Ordem dos Engenheiros, não se mostra muito apreensivo quanto ao futuro dos profissionais desta área. “Ainda recentemente o Reino Unido avaliou em seis mil o número de engenheiros de que irá necessitar nos próximos anos”, lembra. De Portugal, registados na Ordem, estão lá cerca de 250, mas Mineiro Aires estima que o total se aproxime dos 600, sendo este contingente restante composto por jovens profissionais.

Do que não tem dúvidas, portanto, é que o Reino Unido “vai continuar a ser um destino para os jovens engenheiros”. Refere ainda que este país “vive à base dos imigrantes e por certo serão encontradas soluções para este problema, como para outros”.

Pedro Antas, da PARSUK, dá conta de um amanhecer “um pouco negro”, da “tristeza partilhada” com que receberam os resultados do referendo sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia. “Agora tempos esperar para ver o que vem a seguir”, diz. E o que virá a seguir terá impactos mais fortes entre os estudantes que estão ali a fazer o ensino superior do que no grupo dos investigadores. Por uma razão simples. Actualmente, os estudantes da União Europeia que estudam no Reino Unido pagam o mesmo valor de propinas do que os britânicos, mas com a saída da UE estes valores “podem mais do que duplicar”, tornando-se iguais aos que já são pagos pelos estudantes oriundos de fora da União Europeia.

Em média os britânicos pagam cerca de 11 mil libras por ano de propinas, enquanto para os estudantes de fora da Europa este valor sobe para 29 mil. Os estudantes do programa Erasmus não serão afectados uma vez que continuam a pagar as propinas do país de origem.

Tarefas indesejadas

Quantos aos investigadores, frisa que o problema é muito maior do que o do financiamento, uma vez que “a ciência vive da globalização, de equipas multidisciplinares, da movimentação de investigadores de um país para outro”, o que poderá tornar-se bem mais difícil com a saída do Reino Unido da UE. Certo é o facto de “não existir um único laboratório de investigação com equipas exclusivamente britânicas”, adianta este dirigente da PARSUK, que conta já com 1200 inscritos. 

Embora não tenha dados desagregados por profissão, a Secretaria de Estado das Comunidades adianta que “a nova vaga migratória para o Reino Unido é composta por dois extremos: quadros qualificados e mão-de-obra sem qualificação”. No primeiro grupo figuram executivos de bancos, fundos financeiros e empresas; juristas, arquitectos, designers, enfermeiros, investigadores científicos e doutorados, entre outros. O segundo, “frequentemente ligado a situações laborais precárias”, trabalha nas áreas da agro-pecuária, hotelaria, restauração e serviço (limpeza, motoristas jardinagem, mecânica, aeroportos.

“Entre as qualificações mais baixas há certas tarefas que os ingleses não vão assumir”, assume o director-geral da Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP), José Manuel Esteves. Mas não é só por isso que os portugueses deste sector continuarão a ser precisos no Reino Unido, frisa, destacando a “formação de qualidade” que os faz ser requeridos na hotelaria e turismo. “Quanto muito a selecção será mais rigorosa e neste cenário os portugueses até poderão ser os preferidos”, frisa. Quanto aos que quiserem ou tiverem de regressar a Portugal, deixa um recado: “Serão recebidos de braços abertos porque precisamos sempre de bons profissionais”.

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